
O Santo Daime é uma religião de origem brasileira de características xamãnica, que faz uso do chá psicoativo ayahuasca (designado de Daime). Foi funda- do pelo líder carismático Raimundo Irineu Serra, conhecido como Mestre, na década
de 1930, na cidade de Rio Branco, capital do Estado do Acre, e
consolidado nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Nos anos 1970 e 1980,
a abrangência geográfica dessa doutrina religiosa foi ampliada por
Sebastião Mota de Melo, conhecido como Padrinho Sebastião, rompendo as fronteiras regionais e internacionais, com a instalação de filiais no sul do país e no exterior .
De acordo com o Padrinho Alan, Mestre Irineu era um negro descendente de escravos que, por volta de seus 18 anos, vivia no Acre como escravo na extração da borracha, deparando-se com o uso da ayahuasca por indígenas e xamãs.
Ele foi ter sua experiência com a ayahuasca com os Irmãos Costa, que possuíam um centro chamado “Rainha da Floresta”, onde a ayahuasca era vista como expansor da consciência e utilizada para diversos fins como, por exemplo, para o combate de inimigos através da invocação de entidades de baixa vibração para travar combate espiritual. Porém, quando o Mestre Irineu tomou ayahuasca pela primeira vez, ele viu muitas cruzes no espiritual.
Não existindo, para ele, ligação entre o conteúdo de sua visão e as coisas demoníacas resolve tomar o chá de novo. Quando ele bebeu o chá pela segunda vez apareceu uma mulher para ele identificando-se como Clara,
orientando-o sobre sua missão com a bebida no meio da floresta, durante
oito dias, durante os quais permaneceu somente tomando ayahuasca e comendo macaxeira insossa. Nasce, assim o Santo Daime.
A partir de então, Mestre Irineu começou a ministrar o Daime e Clara - a Rainha da Floresta identificou-se como Nossa Senhora da Conceição, a encarnação terrena de Virgem Maria, consagrada como Mãe Divina, Rainha, Lua Branca. Assim, é transmitido ao Mestre Irineu um Império Espiritual composto de uma doutrina
reencarnacionista voltada para a cura que remete a uma filiação mítica,
tendo como Mãe a Rainha da Floresta e como Pai o Rei Juramidam (Jesus Cristo, e o próprio Irineu Serra) constituindo a “Família Juramidam”.
A Mãe Divina disse para o Mestre que ele iria curar determinadas doenças e aí ele ficou pensando e disse para ela assim: “Mas Senhora será que não daria para curar todas as doenças?” Então, ela disse para ele: “Porque vós me pedistes eu vou te conceder!” Então nós acreditamos que o Santo Daime pode curar todo e qualquer tipo de doença, desde que a pessoa esteja no merecimento (Padrinho Alan).
E por meio das mirações Mestre Irineu foi recebendo as instruções da Nossa Senhora.
Ela o instruiu a cantar hinos, ele recebeu o hinário Cruzeiro que é a
chave da doutrina. E, a partir de então, outros hinários foram recebidos
e não só pelo Mestre fundador. Os hinários são
cânticos que expressam a doutrina, os valores culturais e espirituais,
são vistos como a reinterpretação da cosmologia cristã, sendo o “Terceiro Testamento”.
O Padrinho Sebastião, fundador do Santo Daime CEFLURIS, era um médium espírita curador que trabalhava em mesa branca recebendo entidades médicas,
voltado para cura. Ele teve uma doença do fígado que não conseguia
curar na mesa branca. Ele foi para Rio Branco e lá foi orientado a tomar
o Daime com o Mestre Irineu. Somente na terceira vez que tomou o
chá que sentiu os seus efeitos, tendo uma experiência extracorpórea
onde viu entidades médicas retirarem insetos astrais de seu fígado, o
curando. Ele então decide se fardar, tornando-se discípulo do Mestre Irineu.
Depois que o Mestre Irineu morreu, Padrinho Sebastião, que já tinha sido autorizado pelo Mestre Irineu a ministrar o Daime, sente-se convocado a organizar sua própria igreja. “Este novo guia espiritual passou a ser reverenciado como Padrinho Sebastião e a encarnação
de São João Batista, anunciando a segunda vinda de Jesus, o próprio
Irineu Serra, invertendo- se, assim, a cronologia do Novo Testamento”
Parte dos adeptos segue o novo líder que fundou o Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra (CEFLURIS) separando-se do Alto Santo e instalando-se na comunidade “Colônia Cinco Mil”.
Padrinho
Sebastião introduz na doutrina o caráter comunitário, trabalhos de
incorporações, de passes, de mesa branca ministrados com Daime e
trabalhos de umbandaime. Padrinho Sebastião passou depois para seu filho, Padrinho Alfredo, a missão de continuação e expansão da doutrina.
Cura e Reencarnação no Santo Daime
O Santo
Daime, então, foi uma religião criada com uma doutrina voltada à cura. O
Mestre Irineu adquiriu popularidade e reconhecimento em virtude das
curas que o Daime proporcionava. Atualmente, muitos fiéis relatam terem obtido curas freqüentando os rituais religiosos. De
acordo com o Padrinho Alan, “99% das pessoas que chegam no Daime vêm
com problemas espirituais”. Complementa ele: “Para mim sempre foi
reencarnacionista, sempre foi uma linha de cura, sempre foi uma
linha mediúnica e sempre foi uma linha sintética, ou seja, ela junta
todas as crenças. O Daime tá ali no hino né: ‘a tudo se soma’. O Daime
a tudo se soma!” Neste sentido, atualmente, todos os trabalhos realizados são também voltados para cura (Groisman,
1991; Peláez, 1994; Labate, 2002; Rose, 2005), apesar do Santo Daime
possuir trabalhos direcionados especificamente para cura, como o
“trabalho de estrela”, que são sessões realizadas para atendimentos aos
doentes onde são cantados hinos específicos de cura.
A doutrina
do Santo Daime pode ser definida como um movimento eclético, de caráter
espiritualista, possuindo uma base cristã, combinada com tradições
pré-colombianas, esoterismo europeu, crenças africanas e xamanismo
indígena (Alverga, 1998). Seus rituais envolvem, além da ingestão da ayahuasca, hinários (cantos que contêm ensinamentos oriundos do astral), uso de instrumentos musicais
como violão, tambor, flauta e o maracá (considerado arma espiritual,
marca o compasso, chama força para o trabalho e potencializa o poder
espiritual), bailados, leituras bíblicas, rezas (Pai-Nosso, Ave-Maria e
Salve-Rainha), reza do terço, defumações com ervas, psicografias, passes
e incorporações de espíritos.

A doença é vista como um merecimento, algo
que o indivíduo tem que vivenciar, tem que “passar nessa vida”, tem que
sofrer para, através do aprendizado, evoluir espiritualmente. Portanto,
a cura também é um merecimento. A doença está ligada a
sentimentos e práticas negativos desta ou de outras vidas. Não existe
uma separação entre o sujeito e a doença. A doença
não é externa. Ela foi criada pelo sujeito(nesta ou em outra vida), a
partir da lógica de causa e efeito. Toda doença é vista como tendo fundo
espiritual e toda cura é “cura espiritual”.
Segundo
Groisman e Sell (1996), o paradigma terapêutico dominante na doutrina
daimista não é alopático, ou seja, não está centrado na remissão dos
sintomas das doenças. Peláez (1996) também observou que a remissão dos sintomas não constitui necessariamente um indicador concreto da cura. Assim a morte de uma pessoa não significa que ela não tenha sido curada.

A comunidade
ainda não sobrevive da produção agrícola, não se despoja de seus bens
materiais e nem da intensa troca de produtos de primeira necessidade - o
ideal daimista representado na comunidade do Céu do Mapiá (Sede Geral
da doutrina e centro irradiador do CEFLURIS). Assim, os residentes do Céu de São Miguel são, também, habitantes urbanos.
Cada igreja
daimista possui um padrinho – o dirigente, comandante da igreja, que
autentifica a missão profética dos fundadores, possuindo relativa
interdependência para a interpretação doutrinária, visto que se trata de
uma “doutrina mutável”. A comunidade do Céu de São Miguel é comandada pelo Padrinho Alan, juiz de direito aposentado que está na dirigência há oito anos.
Assim, para o fim que me proponho aqui, utilizarei a fala nativa do
Padrinho Alan, visto como o responsável por guiar a comunidade, o grupo e
transmitir a doutrina.
Fonte : “CURA E REENCARNAÇÃO: O PROCESSO DE “CURA ESPIRITUAL” NO SANTO DAIME” por Jéssica Greganich (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil)
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