A maioria de nós preferiria não imaginar o que
acontece com o nosso corpo depois que morremos, mas este processo faz
nascer novas formas de vida de maneiras inesperadas,escreve moheb constandi
“Talvez seja preciso um pouco de
força para mover isso daqui”, diz a agente funerária Holly Williams,
carregando o braço de John e gentilmente flexionando os dedos, cotovelos e
pulsos dele. “Geralmente, quanto mais fresco o corpo, mais fácil é meu
trabalho”.
Williams fala de forma leve e tem um
comportamento sorridente que vai contra a natureza do trabalho dela. Criada e
agora empregada na funerária de sua família no norte do Texas, EUA, ela
viu e lidou com corpos quase que de forma diária desde a infância. Agora, com
28 anos, ela estima que já tenha trabalhado em mais de 1.000 cadáveres.
O trabalho dela envolve coletar
corpos recém falecidos da região de Dallas e Fort Worth e prepará-los para o
funeral.
“A maioria das pessoas que recolhemos
morre em casas de repouso”, diz Williams, “mas em alguns casos recolhemos
pessoas mortas por tiros ou em acidentes de carro. Podemos receber uma ligação
para pegar uma pessoa que morreu sozinha e foi encontrada dias ou semanas
depois, e ela já está em decomposição, o que torna o meu trabalho muito
mais difícil”.
John estava morto havia cerca de 4
horas antes do corpo dele ser trazido à funerária. Ele foi relativamente
saudável pela maior parte da vida. Ele trabalhou a vida inteira nos campos de
petróleo do Texas, um emprego que o mantinha fisicamente ativo e em boa
forma; parou de fumar há décadas; e bebia álcool de forma moderada. Daí,
em um dia frio de janeiro, ele sofreu um terrível ataque cardíaco em casa
(aparentemente desencadeado por outras complicações desconhecidas), caiu no
chão e morreu quase que imediatamente, aos 57 anos de idade.
Agora, John deita sobre a mesa de
metal de Williams, o corpo dele envolto em um lençol de linho branco, frio e
duro ao toque, a pele dele com uma coloração roxa e acinzentada — sinais
de que os estágios iniciais da decomposição já estavam acontecendo.
Autodigestão
Longe de estar “morto”, um cadáver
apodrecendo está cheio de vida. Um crescente número de cientistas vê um cadáver
em apodrecimento como os fundamentos de um vasto e complexo ecossistema, que
emerge depois da morte e evolui com a decomposição.
A decomposição começa alguns minutos
depois da morte em um processo chamado autólise, ou autodigestão. Momentos
depois do coração ter parado de bater, as células ficam privadas de oxigênio e
a acidez delas aumenta, à medida que os subprodutos tóxicos das reações químicas
começa a se acumular dentro delas. As enzimas começam a digerir as membranas
celulares e vazam; assim, as células começam a se romper.
Isso geralmente começa no fígado,
rico em enzimas, e no cérebro, que possui um nível maior de água.
Depois, todos os outros tecidos e órgãos começam a se desmembrar. Glóbulos
brancos danificados começam a vazar de vasos rompidos e, auxiliados pela
gravidade, instalam-se nos capilares e em pequenas veias, descolorindo a pele.
A
temperatura do corpo também começa a cair, até se aclimatar ao ambiente. Então
chega o rigor
mortis — a rigidez cadavérica — começando
pelas pálpebras, queixo e músculos do pescoço, antes de prosseguir ao tronco e
aos membros. Em vida, células musculares se contraem e relaxam graças à ação de
duas proteínas filamentosas (actina e miosina), que andam juntas. Depois da
morte, as células ficam sem energia e as proteínas filamentosas ficam
paradas no lugar. Isso faz com que o músculo fique rígido, prendendo as
articulações.
Durante estes primeiros estágios, o
ecossistema cadavérico consiste em grande parte nas bactérias que vivem
dentro e fora do corpo humano. Nossos corpos hospedam uma enorme quantidade de
bactérias; todas as superfícies e cantos do corpo providenciam um habitat para
uma comunidade microbial especializada. De longe, a maior dessas comunidades
vive no intestino, lar de trilhões de bactérias que pertencem a centenas
ou milhares de espécies diferentes.
O microbioma do intestino é um dos
tópicos mais pesquisados na biologia; ele está ligado à saúde humana
e a uma pletora de doenças e problemas, incluindo autismo, depressão, síndrome
do cólon irritável e obesidade. Mas ainda sabemos pouco destes passageiros
microbiais. Sabemos ainda menos sobre o que acontece com eles quando
nós morremos.
Em
agosto de 2014, a cientista forense Gulnaz Javan, da Universidade Estadual do
Alabama (EUA), e seus colegas publicaram o primeiro estudo sobre o
que eles chamaram de anatomicrobiana (de
“thanatos”, a palavra grega para morte).
“Muitos dos nossos exemplos vêm de
casos criminais”, diz Javan. “Alguém morre em um suicídio, homicídio, overdose
de drogas ou em um acidente de carro, e eu coleto amostras do corpo. Existem
problemas éticos porque preciso de consentimento”.
A maioria dos órgãos internos são
desprovidos de micróbios quando estão vivos. Pouco depois da morte, no entanto,
o sistema imunológico para de funcionar, deixando que eles se espalhem
livremente por todo o corpo. Isso geralmente começa no intestino, na junção do
intestino grosso e delgado — e então os tecidos adjacentes — de dentro para
fora, usando o coquetel químico que vaza das células danificadas como fonte de
alimentação. Então eles invadem os capilares do sistema digestivo e os
linfonodos, espalhando-se primeiro no fígado e no baço, depois o coração e o
cérebro.
Javan e a equipe dela colheram
amostras do fígado, baço, cérebro, coração e sangue de 11 cadáveres, entre 20 e
240 horas depois da morte. Eles usaram duas tecnologias de ponta de
sequenciamento de DNA, combinadas com bioinformática, para analisar e comparar
as bactérias presentes em cada amostra.
As
amostras colhidas de diferentes órgãos no mesmo cadáver eram parecidas umas com
as outras, mas muito diferentes das amostras colhidas do mesmo órgão em outros
pacientes. Isso talvez seja devido parcialmente às diferenças na composição do
microbioma de cada cadáver, ou talvez seja causado pela diferença na hora da
morte de cada corpo. Um estudo anterior avaliou a decomposição de camundongos edescobriu que, apesar do microbioma mudar
drasticamente após a morte, ele faz isso de forma consistente e mensurável. Os
pesquisadores puderam estimar a data da morte dentro de um
intervalo de três dias.
O estudo de Javan também sugere que
este ‘relógio microbiológico’ pode estar funcionando dentro do corpo
humano em decomposição. Ele mostrou que as bactérias alcançaram o fígado em
cerca de 20 horas depois da morte, e elas levaram cerca de 58 horas para se
espalhar pelo restante do corpo de forma sistemática. O tempo levado para
infiltrar o primeiro órgão interno e então outro pode prover uma nova forma de
estimar a hora da morte.
“Depois da morte, a composição das
bactérias muda”, diz Javan. “Elas se movem para dentro do coração, do cérebro e
então órgãos reprodutores por último”. Em 2014, Javan e seus colegas
obtiveram US$ 200.000 da Fundação de Ciências Naturais para continuar
as pesquisas. “Nós utilizaremos sequenciamento e bioinformática de próxima
geração para ver qual órgão é o melhor para estimar [a hora da morte] — isso
ainda não é claro”, ela diz.
Uma coisa que parece clara,
entretanto, é que uma composição diferente de bactérias está associada a
diferentes estágios da decomposição.
Putrefação
Espalhados entre pinheiros em Huntsville,
no Texas, EUA, estão cerca de meia dúzia de cadáveres em vários estágios de
decomposição. Os dois corpos postos recentemente estão de braços abertos
próximos ao centro do local, com grande parte da pele acinzentada macilenta
ainda intacta, as costelas e os ossos pélvicos visíveis entre a pele que
apodrece pouco a pouco. A alguns metros deste local está outro corpo,
completamente esqueletizado, com a pele dura e escura agarrada aos ossos, como
se o cadáver vestisse uma roupa de látex brilhante com capuz. Próximo
dali, entre outros restos esqueléticos espalhados por abutres, está um terceiro
corpo, dentro de uma gaiola de metal e arame. Este está próximo do fim do ciclo
da morte, parcialmente mumificado. Diversos cogumelos marrons crescem onde um dia
estava um abdômen.
Para
a maioria de nós, avistar um corpo em decomposição é na melhor nas
possibilidades desconfortante; e na pior, algo repulsivo e assustador, coisa de
pesadelos. Mas este é o dia a dia dos pesquisadores do departamento de ciencias forense aplicada do sudeste do texass.
Aberto em 2009, o departamento está localizado em uma área de cerca de 100
hectares de floresta nacional mantida pela Universidade Pública de Sam Houston
(SHSU). Dentro dela, um trecho de mais ou menos 4 hectares de terrenos
densamente arborizados foi selado da área maior e subdividido por cercas de
arame farpado de 3 metros de altura.
No final de 2011, os pesquisadores
Sibyl Bucheli, Aaron Lynne e seus colegas da SHSU deixaram dois cadáveres novos
ali, e deixaram eles se decomporem em condições naturais.
Uma vez que a autodigestão se inicia
e a bactéria começa a escapar do trato gastrointestinal, a putrefação começa.
Isso é a morte molecular: a quebra dos tecidos moles que
os transforma em gases, líquidos e sais. Este processo já se inicia em
estágios iniciais da decomposição, mas ele fica bem mais forte quando bactérias
anaeróbicas entram em ação.
A putrefação está associada
a uma mudança de bactérias aeróbicas, que precisam de oxigênio para
crescer, para as anaeróbicas, que não precisam de oxigênio. Estas então se
alimentam de tecidos do corpo, fermentando açúcar para produzir subprodutos
gasosos como metano, sulfureto de hidrogênio e amônia, que acumulam dentro do
corpo, inflando (ou estufando) o abdômen e, em alguns casos, outras partes do
corpo.
Isso causa uma maior descoloração do
corpo. À medida que glóbulos brancos danificados continuam a se
romper dos vasos em desintegração, as bactérias anaeróbicas convertem
moléculas de hemoglobina, que costumavam carregar oxigênio pelo corpo, em
sulfoemoglobinemia. A presença desta molécula em sangue parado dá a pele
uma aparência esverdeada, característica de um corpo em decomposição ativa.
A pressão do gás que continua a se
acumular dentro do corpo faz com que bolhas apareçam por toda a superfície da
pele. Isso é seguido pelo afrouxamento de grande parte da pele, que permanece
presa apenas à estrutura em deteriorando abaixo delas. Os gases e os tecidos
liquefeitos acabam saindo do corpo, geralmente vazando pelo ânus e
outros orifícios, e frequentemente também de peles rasgadas de outras partes do
corpo. Em alguns casos, a pressão é tão forte que o abdômen chega a estourar.
O estufamento é muitas vezes usado
para demarcar a transição entre os estágios da decomposição, e outro estudo
recente mostra que essa transição é caracterizada por uma distinta mudança na
composição das bactérias cadavéricas.
Bucheli e Lyne colheram amostras das
bactérias de várias partes do corpo no início e no final do estágio de
estufamento. Eles então extraíram o DNA das bactérias das amostras e o
sequenciaram.
Como uma entomologista, Bucheli está
mais interessado nos insetos que colonizam os cadáveres. Ela vê um cadáver
como um habitat especializado para várias espécies de insetos necrófagos (ou
comedores de mortos), alguns dos quais passam por um ciclo de vida inteiro
dentro do corpo ou em seus arredores.
Colonização
Quando um corpo em decomposição
começa a eliminar substâncias, ele fica completamente exposto às redondezas.
Neste estágio, o ecossistema cadavérico chega ao seu ponto máximo: trata-se de
um ‘centro’ para micróbios, insetos e detritívoros.
Duas
moscas diretamente conectadas à decomposição são as varejeiras (e suas
larvas) das famíliasCalliphoridae e Sarcophagidae.
Os cadáveres liberam um desagradável odor adocicado, feito de um complexo
coquetel de compostos voláteis que mudam conforme a decomposição avança. As
varejeiras detectam o cheiro usando receptores especializados em suas antenas,
elas então pousam no cadáver e botam ovos nos orifícios e nas feridas abertas.
Cada mosca deposita cerca de 250 ovos
que se chocam dentro de 24 horas, dando vida a larvas de primeiro nível. Estas
larvas se alimentam de carne apodrecendo e se transformam em larvas maiores,
que se alimentam por várias horas antes se transformar mais uma vez. Depois de
se alimentarem um pouco mais, elas se distanciam do corpo. Elas então se
transformam em pupas, para, enfim, se tornarem moscas adultas. Este ciclo se
repete até não existir mais nada no que elas possam se alimentar.
Sob condições ideais, um corpo em
decomposição ativa terá um grande número de larvas em terceiro nível se
alimentando dele. Estas “larvas em massa” geram muito calor, aumentando a
temperatura interna do corpo em mais de 10˚C. Como pinguins amontoados no
Polo Sul, larvas individuais dentro da massa estão em movimento constante. Mas
enquanto pinguins se amontoam para se aquecerem, as larvas se movimentam para
se resfriarem.
“É
uma faca de dois gumes”, explica Bucheli, cercada de grandes larvas de
brinquedo e uma coleção de bonecas de Monster High em seu escritório na SHSU. “Se a larva está
sempre pelas bordas, ela pode ser comida por um pássaro, e se
ela está sempre pelo centro, ela pode sofrer com o calor. Então elas
estão sempre se movimentando do centro para as bordas, indo e voltando”.
A presença de moscas atrai predadores
como besouros de couro, ácaros, vespas e aranhas, que se alimentam das moscas
ou parasitam em seus ovos e larvas. Abutres e outros detritívoros, assim como
outros grandes animais comedores de carne, também podem se aproximar do corpo.
No entanto, na ausência de
detritívoros, as larvas são responsáveis por remover os tecidos moles. Conforme
notou Carl Linnaeus (que idealizou o sistema o qual cientistas nomeiam
espécies) em 1767, “três moscas podem consumir o cadáver de um cavalo tão
rápido quanto um leão”. Larvas de terceiro nível se distanciam em grandes
quantidades do cadáver, geralmente seguindo uma mesma rota. A atividade delas é
tão rigorosa que seus caminhos de migração podem ser vistos depois que a
decomposição chega ao fim, como fundos sulcos no solo emanando do cadáver.
Toda espécie que visita um cadáver
tem o próprio repertório de micróbios do intestino, e espécies diferentes de
solo tendem a acolher comunidades distintas de bactérias — uma composição que é
provavelmente determinada por fatores como temperatura, umidade, tipo de solo e
textura.
Todos estes micróbios se misturam e
se associam com o ecossistema cadavérico. As moscas que pousam no cadáver não
vão apenas depositar os ovos nele, mas também levam consigo algumas das
bactérias presentes no cadáver, além de deixar algumas delas próprias neles. E
os tecidos liquefeitos vazando do corpo permitem uma troca de bactérias
entre o corpo e o solo abaixo dele.
Quando colheram amostras dos
cadáveres, Bucheli e Lynne detectaram bactérias originadas da pele no corpo e
de moscas e detritívoros que o visitaram, além de bactérias presentes no solo.
“Quando um corpo vaza líquidos, as bactérias do intestino começam a sair, e
vemos uma grande proporção delas do lado de fora do corpo”, diz Lynne.
Portanto, é provável que todo corpo
tenha a sua própria assinatura microbiológica, e essa assinatura pode mudar com
o tempo de acordo com as condições exatas do local em que a morte ocorreu. Um
melhor entendimento da composição dessas comunidades de bactérias, a relação
entre ela e como elas influenciam umas às outras conforme a decomposição
avança, pode um dia ajudar equipes forenses a saber mais onde, quando e
como uma pessoa morreu.
Por exemplo, detectar sequências de
DNA pertencentes a um organismo ou tipo de solo em particular a um cadáver pode
ajudar investigadores de cenas do crime a conectar o corpo de uma vítima a uma
geolocalização específica ou tornar menor a busca por pistas, talvez até
especificar um campo dentro de uma área.
“Existem diversos casos judiciais no
qual a entomologia forense forneceu importantes peças de um quebra
cabeça”, diz Bucheli, e ela espera que bactérias possam providenciar
informações adicionais, se tornando mais uma ferramenta para aperfeiçoar a
estimativa da hora da morte. “Espero que, em mais ou menos cinco anos, possamos
começar a usar dados de bactérias em julgamentos”, ela diz.
Até então, pesquisadores estão
ocupados catalogando as espécies de bactérias que estão presentes dentro e fora
do corpo humano, estudando como populações de bactérias se diferenciam entre
cada indivíduo. “Eu amaria ter uma base de dados da vida para a morte”, diz
Bucheli. “Eu amaria conhecer um doador que me permita colher amostras de
bactérias enquanto ele está vivo, durante o processo de morte dele e enquanto
ele se decompõe”.
Purgando
“Este aqui é o líquido que é
expelido de corpos em decomposição”, diz Daniel Wescott, diretor do Centro de
Antropologia Forense da Universidade Estadual do Texas, em San Marcos.
Wescott, um antropólogo especializado
na estrutura do crânio, usa um tomógrafo para analisar a estrutura microscópica
dos ossos trazidos da fazenda de corpos. Ele também colabora com entomólogos e
microbiólogos — incluindo Javan, que tem se ocupado analisando amostras do solo
de cadáveres coletados do departamento de San Marcos — além de engenheiros da
computação e um piloto, que opera um drone fotográfico que registra imagens do
local.
“Eu li um artigo sobre drones que
voavam sobre campos de colheita, pesquisando quais seriam os melhores para
plantar”, ele diz. “Eles procuravam por espectrometria de infravermelho
próximo, e solos organicamente mais ricos apresentavam uma coloração mais escura
que os outros. Eu pensei que se eles podiam fazer isso, então talvez nós
pudéssemos detectar esses pequenos círculos”.
Os “pequenos círculos” são ilhas
de cadáveres em decomposição. Um corpo em decomposição altera
significativamente a composição química do solo abaixo dele. A purgação —
o vazamento de materiais que restam dentro de um corpo — libera nutrientes no
solo, e a migração de larvas transfere muita da energia no corpo para o
ambiente. Todo o processo acaba criando uma “ilha de cadáveres em decomposição”,
uma área de solo organicamente rico e altamente concentrado. Além de liberar
nutrientes para um amplo ecossistema, isso atrai outros materiais orgânicos,
como animais mortos e matéria fecal de animais maiores.
De acordo com uma estimativa, um corpo
humano padrão consiste em 50 a 70% de água, e cada quilograma de massa corporal
seca libera 32g de nitrogênio, 10g de fósforo, 4g de potássio e 1g de magnésio
no solo. Inicialmente, isso mata parte da vegetação abaixo e ao redor do corpo,
possivelmente por causa da toxicidade do nitrogênio ou por causa dos
antibióticos encontrados no corpo, que são secretados pelas larvas de insetos
conforme elas se alimentam da carne.
Mas, depois, a decomposição é
benéfica ao ecossistema. A biomassa microbial existente dentro de uma ilha
de cadáveres em decomposição é maior que outras áreas próximas. Vermes
nematoides, associados com a retirada de nutrientes, se tornam mais
abundantes, e a vegetação se torna mais diversa.
O avanço nas pesquisas sobre como
corpos em decomposição alteram a ecologia dos arredores pode
fornecer novas formas de encontrar vítimas de assassinatos cujos corpos
foram enterrados em sepulturas rasas.
Análises do solo da sepultura podem
providenciar outra possível forma de estimar a hora da morte. Um estudo de 2008
sobre as mudanças bioquímicas que ocorrem na ilha de um cadáver em decomposição
mostrou que a concentração de lipídios no solo de um cadáver vazando tem
seu auge 40 dias após a morte, enquanto os de nitrogênio e fósforo extraível alcançam
o auge em 72 e 100 dias, respectivamente. Com um entendimento mais detalhado
deste processo, análises da bioquímica do solo de sepulturas podem um dia
ajudar pesquisadores forenses a estimar há quanto tempo um corpo foi posto em
uma sepultura escondida.
Enterro
No implacável tempo seco do verão
texano, um corpo exposto a estes elementos será mumificado antes de se decompor
por completo. A pele rapidamente perderá quase toda a umidade, ficando
perdurada nos ossos quando o processo estiver completo.
A velocidade das reações químicas
envolvidas dobra a cada aumento de 10˚C na temperatura. Desta forma, um cadáver
alcança um avançado estágio de decomposição depois de 16 dias a uma
temperatura média diária de 25˚C. Até lá, a maior parte da carne já terá sido
removida do corpo, e a migração em massa das larvas pode começar.
Os egípcios antigos aprenderam sem
querer como o ambiente afeta a decomposição. No período pré-dinástico,
antes que eles começassem a construir caixões e tumbas elaboradas, os
mortos eram envoltos em linho e enterrados diretamente na areia. O calor
inibia a atividade dos micróbios, enquanto o enterro prevenia que os insetos
alcançassem os corpos, então eles ficavam muitos bem preservados.
Depois, eles começaram a construir
tumbas elaboradas para os mortos, para providenciar uma vida ainda melhor na
vida após a morte, mas isso teve um efeito oposto ao esperado: separar o
corpo da areia acelerava a decomposição. Aí os egípcios inventaram o
embalsamamento e a mumificação.
O embalsamamento envolve tratar o
corpo com produtos químicos que desaceleram o processo de decomposição. O
embalsamador egípcio primeiramente lavava o corpo do falecido com vinho de
palma e água do Rio Nilo, removia a maioria dos órgãos internos por incisões
feitas do lado esquerdo, e os enchia de natrão (uma mistura natural de sais
encontrada por todo o Rio Nilo). Ele usava um longo gancho para puxar o cérebro
pelas narinas, para então cobrir todo o corpo com natrão, deixando-o secar por
40 dias.
Inicialmente, os órgãos secos eram postos
dentro de vasos canópicos que eram enterrados juntamente ao corpo; depois, eles
passaram a ser envolvidos em linho e retornados ao corpo. Finalmente, o
corpo era envolto em múltiplas camadas de linho, em preparação para o enterro.
Agentes funerários estudam os métodos de embalsamamento do Egito Antigo até os
dias de hoje.
De volta à casa funerária, Holly
Williams executa algo semelhante para que a família e os amigos possam ver os
entes queridos no funeral como eles foram em vida, em vez de vê-los como eles
são agora. Para as vítimas de traumas e mortes violentas, isso envolve extensas
reconstruções faciais.
Por morar em uma cidade pequena,
Williams trabalhou em muitas pessoas que ela conhecia e com quem conviveu —
amigos que morreram de overdose, cometeram suicídio ou morreram mexendo no
celular enquanto dirigiam. Quando a mãe dela faleceu, há quatro anos, foi
Williams quem cuidou do enterro dela, adicionando toques finais à maquiagem
facial da mãe: “Fui eu quem sempre cuidou do cabelo e da maquiagem dela quando
ela era viva, então eu sabia como fazer isso bem”.
Ela transfere John para a mesa de
preparação, remove as roupas dele e o posiciona, então pega diversas
garrafinhas de fluido de embalsamamento da parede. O fluido contém uma mistura
de formol, metanol e outros solventes; ele temporariamente preserva os tecidos
do corpo conectando células de proteína umas às outras, e arrumando-as no lugar
certo. O fluido mata bactérias e previne que elas quebrem as proteínas para
usá-las como alimento.
Williams derrama o conteúdo das
garrafas na máquina de embalsamamento. O fluído possui uma série de cores; cada
uma correspondente a um tom de pele diferente. Ela seca o corpo com uma
esponja molhada e faz incisões diagonais acima da clavícula. Depois, ela levanta
a artéria carótida e a veia subclávia do pescoço e as amarra com fios, ela
então empurra uma cânula (um tubo fino) na artéria e pequenas pinças na veia
para abrir os vasos.
A seguir, ela liga a máquina, que
bombeia o fluido dentro da artéria carótida e ao redor do corpo de John.
Conforme o fluido entra, o sangue sai pelas incisões, escorregando pelas bordas
da mesa de metal e caindo dentro de uma grande pia. Enquanto isso, ela pega um
dos braços e o massageia gentilmente. “Leva cerca de uma hora para remover todo
o sangue de uma pessoa e substitui-lo pelo fluido de embalsamamento”, diz ela.
“Coágulos de sangue podem desacelerar o processo; a massagem ajuda a
rompê-los e a acelerar o fluxo do fluido de embalsamamento”.
Uma vez que o sangue é substituído,
ela aperta um aspirador contra o abdômen de John e suga todos os fluidos da
cavidade, sugando também qualquer urina e fezes que ainda possam estar dentro
do corpo. Finalmente, ela costura as incisões, seca o corpo uma segunda vez,
acerta o rosto e o veste novamente. John está pronto para o funeral.
Corpos embalsamados também se
decompõem. Exatamente quando, e quanto tempo isso leva, depende da forma como o
embalsamamento foi feito, o tipo de caixão em que o corpo foi posto e como ele
foi enterrado. Afinal, nossos corpos são meras formas de energia presas em
pedaços de matéria, esperando serem lançadas de volta ao universo.
De acordo com a lei da termodinâmica,
a energia não pode ser criada ou destruída, apenas convertida de uma forma para
outra. Em outras palavras: as coisas têm fim, convertendo massa para energia
enquanto acabam. A decomposição é uma lembrança mórbida e final que toda
matéria no universo deve seguir estas leis fundamentais. Ela nos destrói,
equilibrando nossa massa corpórea com os arredores e nos reciclando para que
outros seres vivos possam fazer bom uso dela.
Este artigo foi originalmente postado no Mosaic e republicado sob licença
Creative Commons. Primeira foto por Lori Semprevio/Flickr
Nenhum comentário:
Postar um comentário