terça-feira, 24 de janeiro de 2012

O Dialogar Filosófico


O Dialogar Filosófico
Uma boa palavra para definir a Filosofia é “diálogo”. Filosofar é, antes de tudo, dialogar, pois pensamentos interessantes não se constroem a partir de uma mente só, já que, como seres humanos, somos limitados no espaço e no tempo. Todo homem só é capaz de construir teorias que contemplem sua própria visão de mundo. No entanto, mesmo esta não é genuinamente sua pois, em todos os casos, se forma por intermédio de muitas pessoas. Por vezes, idéias geniais, brilhantes, são atribuídas exclusivamente a seu autor, mas todos se esquecem que elas o são justamente por resistirem, quase intactas, ao escrutínio do livre questionamento e do inescrupuloso tempo.
É evidente que grandes pensamentos não “brotam do nada”: são elaborados ao longo de uma vida, ou de várias, e através de muitos remendos e reformulações. E o que é a elaboração de um pensamento senão sua construção verbal, de forma que possa ser transmitido a outros, seja através de textos escritos ou oralmente? Se pensarmos bem, para qualquer pessoa, o momento de expor suas idéias ao mundo é o resultado de um grande processo de elaboração mental, para o qual já contribuíram inúmeras outras pessoas.
Com isso, pode-se afirmar que, apesar do que dizem as aparências, Filosofia nunca se faz sozinho. A idéia pode ser sua, você pode tê-la escrito inteiramente, mas jamais ela terá surgido por mérito única e exclusivamente seu. Seus pais, amigos, vizinhos, colegas e até completos desconhecidos; a mídia, o governo, a comunidade, a igreja e outras instituições; outros povos e culturas; enfim, todas as pessoas e idéias que fizeram parte da sua vida, direta ou indiretamente, tiveram sua parcela de contribuição para que seu pensamento saísse exatamente como saiu.
Bom, se por um lado não há pensamento de autoria exclusiva de uma única pessoa, também não há pensamento válido sem a interação com o mundo, sem viver no mundo. Filosofia é, pois, fruto da contemplação da realidade humana. Qualquer pensamento que a desconsidere jamais poderá ser considerado filosófico. Será poesia, mito, ou apenas pura fantasia, isso senão for visto como bobagem ou loucura e cair no ostracismo.
No nascimento de um pensamento é possível percebermos outra característica do diálogo: a interiorização do conteúdo, a reflexão sobre o que está sendo pensado. Mas, a Filosofia, diferentemente de em um diálogo comum, não se satisfaz com uma mera
opinião ou com o consenso entre os participantes. O diálogo dito filosófico é verdadeiro, onde os envolvidos estão realmente interessados em esgotar todas as possibilidades do próprio diálogo e da razão, pois dialogar verdadeiramente significa mais do que ser sincero, significa estar disposto a ir até as últimas consequências da crítica e da argumentação. Não apenas as idéias apresentadas devem ser coerentes e bem fundamentadas: estarão em debate também os seus próprios pressupostos e fundamentos sobre os quais ela se apóia, numa tentativa de dar coerência ao todo.
E, nessa busca pela unificação do pensamento, este volta-se sobre si mesmo e, de repente, o assunto torna-se o pensar. O diálogo filosófico é, pois, reflexivo, ou seja, na discussão sobre a realidade, o filósofo volta-se sobre o real. Sobre aquilo que existe, o filósofo ocupa-se do existir, da existência. Na busca por saber o que as coisas são, ocupa-se do “são” e vai atrás do “ser” das coisas. Do conhecimento, busca o conhecer, seus limites e possibilidades; e assim por diante.
Por fim, o diálogo filosófico está permanentemente aberto a todos os interessados. Ou seja, o resultado de todo esforço dialógico, para que possa ser considerado filosófico, deve ser submetido à crítica, à análise inter paris, e deverá e vencê-la mediante uma boa argumentação. Esse é o preço da liberdade: o respeito para com a liberdade do outro. Aqui, não adianta gritar para ser ouvido, pois quem escuta é a razão. É, pois, condição sine qua non para o verdadeiro diálogo filosófico saber justificar posições, se se espera que mais alguém concorde com o que está sendo dito. De outra forma, haveria apenas um monólogo: eu falo e você escuta. No diálogo verdadeiro, em especial naquele em que se pretende entender melhor o mundo e produzir conhecimento, é preciso que a via seja de mão dupla. E isso implica saber criticar e ser criticado.
Portanto, se você espera ser ouvido, ou seja, se espera um dia ser levado a sério, é bom que aprenda, o quanto antes, a criticar e a receber críticas da melhor forma possível, tendo a plena consciência que nas pontas de cada diálogo, intermediando e analisando pensamentos, encontram-se seres que, por sua condição humana, não nasceram vendo a crítica como algo construtivo e indispensável, como crítica ao pensamento e não ao pensador. Nesse ponto, o verdadeiro filósofo deve, sim, ter tato ao dizer o que pensa, mas principalmente, deve conseguir distinguir-se de seu próprio pensamento sem perder sua identidade. Só assim ele será capaz de atingir distância suficiente de sua obra para que possa ver o todo e para aceitar as críticas. Só assim, também, ao analisar as críticas recebidas, conseguirá separar as pertinentes das inócuas, já que é naquelas que
está o potencial para o progresso, para que possa dar prosseguimento a suas pesquisas e a aperfeiçoar sua idéia inicial.
Aqueles que já tiveram de enfrentar a crítica sabem, de alguma forma, que são de grande valia qualidades como a humildade, a paciência, e a perseverança (e, é claro, um profundo conhecimento sobre o tema em questão), e quão terríveis são as consequências da precipitação, do preconceito e do egocentrismo. O pior momento talvez seja aquele em que o pensamento é exposto ao erro. É o momento a partir do qual a idéia, em parte ou totalmente derrubada, deverá ser reavaliada e, se possível, reconstruída, senão, abandonada. Esse é um dos momentos mais difíceis de manter-se à distância da idéia, pois uma falha encontrada nesta implica necessariamente uma falha naquele que a criou. Mas, não é esse um dos maiores desafios verdadeiramente humanos: o de conseguir ver e aceitar as próprias falhas? Sem isso, não se produz conhecimento, e não se permite ao homem superar-se a si mesmo.
Dizer que filosofar é dialogar é, portanto, dizer que é necessário o outro; que é necessário estar no mundo e trocar experiências, que é necessário desenvolver, voluntária e conscientemente, a capacidade de se auto-aperfeiçoar. Dizer que filosofar é dialogar é compreender que a Filosofia não foi criada pela mão e pela vontade de um: ela é, hoje, como em cada momento de sua existência, o estado atual de um processo de árdua elaboração em constante desenvolvimento, que perpassa vidas e vidas, séculos e séculos. É processo jamais concluso e sempre renovado, que perdurará enquanto houver inquietação na alma humana.
Em suma, sem diálogo verdadeiro, sem Filosofia, o homem jamais será de fato livre, pois ser livre é poder expressar-se dentro do limite da liberdade do outro. Sem diálogo verdadeiro, o homem jamais entenderá sua própria humanidade, pois ser humano é superar-se continuamente. Sem Filosofia, o ser humano jamais conhecerá o mundo ou a si mesmo: ele estará condenado a permanecer confinado no mundo por ele criado para quem que ele acha que é.

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