Viagem Fora do Corpo e o |
Processo Evolutivo Individual |
É apenas mais um entre os aproximadamente 134 nomes pelos quais é conhecido o fenômeno que atualmente se convencionou em classificar como experiência fora do corpo (EFC). Não se trata de novidade lissérgica inventada pelos hippies nas décadas 60 e 70, muito pelo contrário, desde a noite dos tempos, nas eras pré-históricas, este fenômeno vem sendo registrado em todas as culturas e civilizações. Desde tempos imemoriais, há lendas que falam de homens sábios - não havia diferença entre ciência e religião - cujas almas deixaram seus corpos e se comunicaram com os deuses. Os antigos gregos buscavam a iluminação íntima através de cerimônias secretas no templo de Elêusis, onde passavam por rituais durante dias seguidos, nos quais, na verdade, visavam a indução de uma experiência mística fora do corpo. As técnicas originais empregadas nesses ritos se perderam, restando apenas tradições orais que foram parar na Índia e no Tibete.
Entre os experimentadores desse período, pode-se citar Hermótimo de Clazomene - filósofo, componenete da escola Jônica, no século 6 a.C – que, aparentemente, foi capaz de induzir a experiência fora do corpo de forma lúcida à vontade, utilizando essa habilidade para investigar a natureza dos estados de consciência após a morte física. Platão (428-347 a.C.) relata a história de Er, o Armênio, soldado tido como morto em combate, que, após dez dias, quando recolhiam os restos humanos no campo de batalha, foi encontrado em aparente bom estado. Ao décimo segundo dia, quando se preparavam para enterrá-lo, voltou à vida e narrou a experiência ocorrida. Depois que saíra do corpo físico, encontrou-se com outras criaturas extrafísicas em boas ou más condições conforme a narrativa detalhada. Por fim, não sabia como e de que maneira encontrara o corpo físico, mas, erguendo as pálpebras, viu, de manhã cedo, que estava pronto para ser enterrado.
Existem registros de EFC’s na Bíblia, nos livros de Ezequiel (111:14), no Apocalipse (1:10 e 11, 4:2) e no II Coríntios (12:2). Um relato interessante é o de Plutarco de Queronéia (50-120) sobre Arisdeu de Soles, nascido na Ásia Menor, um homem sem predicados morais, segundo opinião da época, e que, no ano 79 da Era Cristã, após violenta queda, foi dado como morto. Após três dias, retornou ao corpo físico, ainda antes de ser enterrado, recobrou a consciência e relatou em detalhes a Protógenes e a outros amigos seus a experiência lúcida fora do corpo.Dessa ocasião em diante, transformou-se em um homem altamente virtuoso e até mudou o nome para Thespesios (dois egos em uma só vida). A íntegra do relato de Plutarco encontra-se nas páginas 164 a 172, do Societé D’Edition Le Belles Lettres, 1974.
Até o século 15, geralmente quem produzia a experiência fora do corpo de maneira lúcida, em muitos casos, sofria a pressão do fanatismo vigente, sendo rotulado de louco e acusado de feitiçaria. Os atos parapsíquicos eram classificados como práticas espúrias, sendo rotineira e severamente condenados. Posteriormente, temos o perído pré-científico (do século 15 ao 19), mais conhecido como esotérico - doutrina ensinada apenas aos iniciados pertencentes a ordens místicas ou sacerdotais, a exemplo dos cavaleiros templários, dos rosacruzes, das cruz de malta e dos maçons -, que se caracterizava pela forte sonegação de informações adequadas a seu respeito perante o público em geral, sendo a iniciação limitada a um reduzido círculo de pessoas pertencentes a estreitíssimos corredores de informação. Surgiram, então, atividades reacionárias, traduzindo-se em perseguições implacáveis aos experimentadores, caça às bruxas em toda a Europa e predomínio de crendices, dogmas, superstições, tabus e tradições errôneas.
O período seguinte, inicial científico ou exotérico - os ensinamentos são transmitidos ao público interessado em geral, caracteriza-se pela abertura de relativo conhecimento do fenômeno das experiências fora do corpo ao grande público, desmistificando o assunto. Estende-se de 1905 (Turvey) a 1965 (Crookal), quando se sobressaíram sete experimentadores e suas obras:
- Vincent Newton Turvey (1873-1912) - Experiências fora do corpo constatadas publicamente na Inglaterra;
- Prescott Farnsworth Hall e suas clarinadas originais de alerta, em 1916, nos Estados Unidos;
- Hugh Callaway (1886-1949) publica experiências pessoais sob o pseudônimo de Oliver Fox, em 1920, na Inglaterra;
- Johannes E.Hohllemberg, dinamarquês, comunicou suas experiências fora do corpo ao Primeiro Congresso Internacional de Pesquisas Psíquicas, em Copenhague, na Dinamarca, em 1921, e, até hoje, em geral, esquecido;
- Sylvan Joseph Muldoon (1903-1971), a partir de 1929, nos Estados Unidos;
Marcel Louis Fohan com o livro Yram, na França; Robert Crookal publica trabalhos minuciosos, na Inglaterra, entre 1960 e 1965.
Experiências Fora do Corpo
A experimentação laboratorial tem início com o pesquisador Charles Theodore Tart, em 1966, nos Estados Unidos, quando realizou a primeira tentativa de retirar o fenômeno das EFC’s do âmbito restrito dos experimentos individuais para o ambiente científico do laboratório, efetuando experiências com a jovem experimentadora até hoje conhecida apenas como Miss Z. Tratava-se uma jovem solteira, com aproximadamente 20 anos, inteligente e bastante interessada nos resultados da experiência. Difícil descrevê-la em termos psicológicos.
As observações informais de Tart ao longo de vários meses - sem dúvida, distorcidas pelo fato de que é difícil para alguém descrever a personalidade de um amigo de forma imparcial - resultam no quadro de uma pessoa que, em determinados aspectos, é bastante madura e sensível, e, em outros, tão atribulada psicologicamente quanto qualquer um de nós.
As experiências fora do corpo sempre ocorriam da mesma maneira: ela acordava uma ou duas vezes durante o sono noturno e se descobria flutuando próximo ao teto, com um percentual de lucidez próximo ao da vigîlia física ordinária, ou seja, como se estivesse completamente acordada. Essa condição durava até 30 segundos e freqüentemente observava o corpo físico deitado na cama, então, retornava ao sono natural. O fenômeno ocorria várias vezes durante a semana e por toda a sua vida. Desde criança nunca notou qualquer coisa de estranho com relação a isso e concluiu que todas as pessoas tinham esse tipo de experiência durante o sono noturno, nunca mencionando o fato a quem quer que fosse.
Quando o fez, já durante a adolescência, notou que as demais pessoas achavam o fato no mínimo esquisito e parou de conversar a respeito. Até a data do experimento científico ela nunca havia lido qualquer coisa sobre o assunto. Ao tomar conhecimento de suas experiências, Tart lhe pediu que evitasse a leitura de qualquer livro ou texto sobre o assunto até o fim da experimentação, no que foi atendido. Vale ressaltar que Miss Z nunca havia feito qualquer tentativa de controlar suas EFC’s, nem as tinha em grande conta. Tudo o que sabia era que, definitivamente, não eram sonhos.
O interesse de Tart no experimento se dividia em dois aspectos: psicológico, estando possivelmente ligado ao sonho; e extra-sensorial, uma vez que o fenômeno freqüentemente parecia estar revestido de aspectos parapsicológicos. Miss Z foi colocada em um laboratório destinado a pesquisa de sono por quatro noites consecutivas, em um período de aproximadamente dois meses. O procedimento era essencialmente o mesmo em todas as noites: ela era conectada a um eletroencefalógrafo (aparelho que produz um gráfico das oscilações elétricas que resultam da atividade do cérebro), que estava ligado durante toda a noite. Os movimentos rápidos dos olhos - fase do sono em que se instalam movimentos rápidos, sincrônicos e involuntários dos globos oculares sob as pálpebras cerradas e que ocorrem durante os sonhos - também foram monitorados através de um eletrodo preso à sua pálpebra. A resistência basal cutânea (mede a resistência da pele quando em repouso absoluto), bem como a resposta galvânica (estímulos elétricos produzidos pelos nervos e músculos), a pressão sanguínea e os batimentos cardíacos também foram controlados.
O laboratório era composto por dois recintos, ambos com isolamento acústico. Havia um janelão entre eles, que foi coberto com uma cortina do tipo veneziana, para evitar que a claridade perturbasse o sono da experimentadora. Os polígrafos (aparelhos destinados ao recebimento e gravação de dados provenientes dos equipamentos ligados ao experimentador) estavam localizados no segundo recinto, e a porta mantida fechada. Um sistema de comunicação permitia que todos os ruídos provenientes da sala onde se encontrava Miss Z fossem escutados pelo controlador. Ela dormia em uma cama confortável, situada abaixo da janela de observação. Os fios dos eletrodos eram conectados a um cabo master que se prendia à uma caixa eletrônica logo acima de sua cabeça. Essa disposição permitia espaço suficiente para que ela se movesse sobre a cama sem que os eletrodos se desconectassem. Acima da janela de observação havia uma prateleira e, acima desta, um relógio preso à parede.
Em cada noite de experiência, depois que a experimentadora estava deitada e os equipamentos ligados funcionando satisfatoriamente, Tart se retirava para o seu escritório, no corredor, e, abrindo uma tabela de números aleatórios, deixava cair uma moeda. Copiava os primeiros cinco dígitos logo acima do local onde a moeda caíra em um pequeno pedaço de papel com uma caneta preta. Os cinco dígitos constituíam o alvo parapsicológico para a noite. Eram colocados dentro de um envelope opaco e Tart entrava no recinto de Miss Z, colocando-o sobre a prateleira sem que ela o visse em nenhum momento. O alvo era perfeitamente visível para qualquer pessoa que estivesse flutuando próximo ao teto.
A experimentadora foi instruída a dormir e tentar ter uma EFC. Se isto ocorresse, deveria tentar acordar imediatamente após e informar ao controlador tudo a respeito, de forma que pudesse ser evidenciado no polígrafo o momento da ocorrência. Era também instruída para que, se por acaso flutuasse próximo ao teto, tentasse ler os números, acordasse e os repetisse. Nas três primeiras noites, apesar de o equipamento ter funcionado a contento medindo todos os estágios de seu sono, ela não conseguiu ter uma EFC dentro do laboratório. Na quarta e última noite, entretanto, Miss Z acordou às 6h04 e disse em voz alta que o número era 25132. E isto estava correto. Ela informou que despertou flutuando por sobre a cama, entre 5h50 e 6h, procurou ir mais alto para poder ler os números, depois tentou ir para o recinto do pesquisador e desligar o aparelho de ar condicionado, mas não conseguiu.
Ao cruzar as informações dos polígrafos com a hora em que ocorreu a EFC, Tart descobriu um padrão até então não descrito na literatura específica relativa ao estudo do sono. Havia uma mistura entre o primeiro estágio do sono natural e a vigília física ordinária, como se a experimentadora não estivesse nem acordada nem dormindo, e a total ausência de MRE ou movimento rápido dos olhos indicou que ela definitivamente não estava sonhando.
Fenômeno Fisiológico Diário
Ficou evidente que se tratava de mais um estado alterado de consciência, o estado fora do corpo físico. Outras experiências laboratoriais foram realizadas não somente por Tart, como também por outros pesquisadores e instituições afins com semelhantes resultados. O debate científico permanece até hoje, principalmente pela ausência de instrumentos suficientemente sensíveis para medir o fenômeno. Outro problema é que a ciência tem sido incrivelmente bem-sucedida ao lidar com o mundo físico, reduzindo a realidade a determinados tipos de entidades físicas e, como a EFC não possui manifestações físicas, não valeria a pena ser estudada com seriedade. Entretanto, como a ciência lida com o conhecimento, ela não deve se restringir apenas ao conhecimento físico e material, principalmente pelo fato de que o fenômeno da EFC de alguma forma afeta o conhecimento científico tradicional, a vida pessoal, os valores e a cultura.
Para Tart, é necessário estudar os estados alterados de consciência e, em particular, o fenômeno da EFC utilizando a metodologia da ciência convencional a partir de um estado alterado de consciência, com sua própria percepção e lógica pertencentes a este EAC, criando, assim, a sua própria ciência específica. Caso contrário, nos vemos na seguinte situação: considere um experimento envolvendo um estado profundo de meditação que produza uma experiência de unidade; o experimentador diz ao pesquisador que "você e eu, criaturas, somos um, não existe individualidades!"; o pesquisador percebe e deduz que o experimentador mostra um confuso senso de identidade e um processo de distorção da forma de pensar, ou, então, mostra pouco contato com a realidade.
O experimentador está falando do que é óbvio para ele e o pesquisador deduzindo o que também é óbvio para ele. O paradigma implícito do pesquisador, baseado no seu treino específico, embasamento cultural e estado de vigília física ordinária, é fundamentado no fato de que ele e o experimentador são entidades físicas sem conexão energética, indicando que a interpretação do experimentador traduz apenas sua disfunção mental. Já o experimentador, tendo seu paradigma radicalmente alterado no momento por estar num EAC, não somente reporta o que é obviamente verdadeiro para ele, mas percebe que o pesquisador demonstra uma certa disfunção mental pelo fato de ser incapaz de perceber o óbvio.
Concluindo, a experiência fora do corpo é um fenômeno fisiológico que ocorre todas as noites depois que estamos dormindo, e que, devido ao nosso pequeno grau de lucidez em razão do cansaço, da rotina, dos afazeres, do dia de trabalho, está sempre mesclada com sonhos e muito raramente é lembrada (já sonhou que está voando?). Mediante muito treino e uma férrea determinação, pode ser produzida por qualquer pessoa, já que existem algumas centenas de métodos. Mas para quê ou por quê?
Segundo o professor Waldo Vieira, que se intitula autoridade máxima no assunto no Brasil, o objetivo é estudar o fenômeno de modo a agilizar o processo evolutivo individual através de EFC’s lúcidas, diárias e rememoradas, sendo que a figura do pesquisador se confunde com a do experimentador. Pelo que entendemos, o objetivo de se produzir lucidamente EFC’s, por vontade própria, deve ser, primordialmente, o autoconhecimento através de experiências que o coloquem à par de suas existências anteriores, de forma a compreender o seu aqui e agora multidimensional . A partir de então, numa segunda etapa, pesquisar seriamente o fenômeno utilizando-se dos métodos da ciência convencional, tal como proposto anteriormente por Charles Theodore Tart, produzindo-se papers e artigos científicos que criem, definitivamente, uma base científica de sustentação.
Márvio Belliard e Silva |
Fonte: Jornal Madhava |
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