quarta-feira, 5 de outubro de 2011

JUÍZO FINAL pintura mural

 

Na capela Sistina, do Vaticano, encontram-se os afrescos com que o renascimento chegou ao seu expoente máximo e também os que assistiram ao início do seu declínio. Na abóbada ,encontramos harmonia e serenidade nas cenas do Génesis , separadas entre si por falsas molduras; na parede do altar, a cena do Juízo Final no seu aparente caos e convulsão, mostra o início do barroco. São apenas duas décadas que separam estas duas obras de Miguel Ângelo mas a diferença é radical. É certo que o artista tinha envelhecido e estava mais pessimista , mas havia também a influência das ideias de Lutero, bem como o saque de Roma pelas tropas de Carlos V.A ideia de pintar o Juízo Final deve-se ao Papa Clemente VII, desejoso de deixar uma grande obra que o recordasse na sua passagem pela cadeira de S.Pedro. Contudo ,morreu antes de Miguel Ângelo a iniciar e foi o Papa Paulo III quem ratificou o encargo do mestre pintar a parede por detrás do altar. Sabe-se que foram feitos vários esboços para a pintura, baseados no Evangelho de S. Mateus que ficariam em quatro molduras sobrepostas. Nesse esboço , o Tribunal Celestial conteria as figuras de Cristo, da Virgem Maria , de S.João Baptista , dos Apóstolos e dos 24 Velhos do Apocalipse. Nas outras três molduras constariam a "ressureição dos mortos " a "avaliação das almas " e a " separação dos justos dos réprobos ". Miguel Ângelo esqueceu esta ideia de molduras sobrepostas e criou um caos ordenado. As suas figuras sobem, baixam , giram sobre si próprias , criando um turbilhão à volta de Cristo que também não está sentado num trono, como era usualmente representado. Miguel Ângelo mistura ainda às cenas bíblicas a necessidade de reforma da Igreja , onde o pecado da avareza é personificado por um Papa. A obra de 14,6 por 13,41 metros foi inaugurada em Novembro de 1541 , toda ela pintada pelo artista sem colaboração de discípulos . À medida que a obra ia ganhando forma , a crítica negativa da corte papal ia crescendo ; diziam que os anjos não tinham asas , as figuras sagradas não possuíam aureolas e que os órgãos genitais das figuras não estavam tapados numa demonstração de obscenidade na casa de Deus . Paulo III recebia contínuas queixas . mas acreditava plenamente no que o pintor estava fazendo. Recordemos que estas críticas aconteciam nos palácios em que os " sobrinhos ", eufemismo para filhos bastardos dos cardeais . brotavam como cogumelos . O caso das figuras nuas foi mesmo debatido no Concílio de Trento (1545-1563) e, tendo Paulo III falecido entre as reuniões, não pode impedir que tivesse sido decretada uma repintura para esconder os órgãos sexuais das figuras. Uma outra das críticas dos cardeais era que Cristo não fora retratado como um adulto de barba , mas sim como um jovem imberbe com um rosto de um Apolo Belvedere. Também criticavam a postura da Virgem nâo olhando para Cristo,como que incomodada pela atitude que o Filho estava a ter. (foto abaixo)

Atentemos noutros pormenores do grande mural ; os anjos tocam as trombetas para acordar os mortos e, no livro grande, estão os nomes dos que serão condenados (1) e no livro pequeno (2) por serem poucos, os que vão para o Paraíso. (figura seguinte)


Na figura que se segue os afortunados que sobem ao céu são ajudados por anjos (1). Se formos mais minuciosos vemos que os ressuscitados (marcados como número 2) estão agarrados a um rosário de 99 contas , usado pelos muçulmanos que são salvos por acreditarem num Deus único. Seria uma atitude eucuménica de Miguel Ângelo ?
Embora a foto acima não o mostre, alguns dos ressuscitados são representados em esqueleto ou com meia carne ou ainda a erguerem a pedra do túmulo. Noutro lado do mural está representada a descendência de Eva, como veremos na foto seguinte e de que faremos legenda.


(1)-Abraâo, (2) -Sara ,(3)- Isac e a sua esposa Rebeca (4) .Os filhos deste casal são Jacob(5) e Isaú (6). S. João Baptista (9) Niobe (13), Judite (12) e Eva com o nº 11 .no cimo à esquerda.Outros pormenores podiam ser citados mas o tamanho das fotos não o permitem observar.

No lado direito do grande mural e em baixo, é representado o mundo inferior, com Miguel Ângelo a basear-se no Inferno da Divina Comédia de Dante. Aí vemos Caronte , o barqueiro que transporta os condenados até à outra margem do lago Estígia , onde os espera Minos e outros diabos . Caronte expulsa os condenados do barco batendo-lhes com o remo. Acima desta cena , os anjos lutam com humanos que não sobem nem descem ; estamos no purgatório da Divina Comédia . Dos sete pecados mortais , dois são bem identificados : o da avareza leva uma bolsa atada á cintura e junto a esta duas chaves ,como as do emblema papal, crítica mordaz ao sucessor de Paulo III. A luxúria é representada por um homem que é agarrado pelos genitais por um diabo. Simboliza a luxúria da corte papal e seus cardeais venais. Melhor que qualquer fotografia só mesmo uma visita ao Vaticano para ver esta magnífica obra ,restaurada há uma dúzia de anos .

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