terça-feira, 7 de junho de 2011

Estrela:Astro Sol e a Crença

Jesus histórico não nasceu na madrugada de 24 para 25 de dezembro do Ano Zero. Indicações contidas nos próprios Evangelhos, especialmente a menção a Herodes, permitem deduzir que ele nasceu seis anos antes da data oficial.Quanto ao dia, uma engenhosa interpretaçãoda Estrela de Belém à luz das noções astrológicas da época (e que, portanto, teriam sido usadas pelos legendários "Reis" Magos) sugere que foi 17 de abril. Nessa data, ocorreu uma ocultação de Júpiter pela Lua em Áries, na parte leste do céu, onde o texto bíblico diz que estava a Estrela de Belém. Para os astrólogos do período romano, a ocultação de Júpiter pela Lua indicava o nascimento de um rei divino e Áries era o signo associado aos judeus e à Palestina.
Mas, embora o 24 de dezembro não seja uma data histórica, tem um significado simbólico. Nesse dia, os romanos celebravam o festival do Sol Invictus, que comemorava o renascimento do Sol após o solstício de inverno no hemisfério norte. A opinião tradicional é que os primeiros cristãos se apropriaram da data como parte de um programa deliberado de incorporar elementos pagãos tradicionais a fim de tornar o cristianismo atraente para os não-cristãos. Esse mesmo programa levou ao costume de transformar os antigos templos da Grande Deusa em igrejas consagradas à Virgem Maria e a canonizar santos que não passavam de divindades pagãs cristianizadas, como São Jorge, que é a versão cristã de Ares/Marte. Incidentalmente, deve-se notar que essa cristianização do paganismo também implicava inevitavelmente em uma paganização do cristianismo, de modo que vários símbolos tradicionais foram preservados sob uma nova forma.
O que é importante notar é que essa releitura do paganismo à luz da nova religião não era arbitrária. A Virgem Maria de fato é uma nova encarnação do arquétipo da Grande Mãe e São Jorge realmenteincorpora as mesmas energias arquetípicas que o mundo greco-romano personificava em Ares/Marte. Da mesma forma, em termos simbólicos, o nascimento de Cristo é análogo ao surgimento do Sol Invictus em 24 de dezembro, daí a coincidência das datas e a razão pela qual, nos primeiros séculos do cristianismo, era comum encontrar representações de Cristo com os atributos solares de Hélios-Apolo. Mas qual é o significado simbólico do Sol Invictus?
A luz da consciência. - Num primeiro nível de leitura, o nascimento do Sol após o solstício de inverno representa o triunfo da vida (o Sol) sobre as forças da morte (os rigores do inverno). O festival do Sol Invictus faria parte, assim, dos festivais ligados ao ciclo agrário. Mas o significado da data não se esgota nesse nível naturalista de interpretação. Como Jung mostrou, o simbolismo mitológico não é uma relação binária entre uma imagem mítica e um elemento natural (a Grande Mãe = natureza, por exemplo), mas uma relação ternária, na qual tanto a imagem mítica quanto o elemento natural são tomados como símbolos de uma realidade psíquica (a Grande Mãe = natureza = inconsciente, para continuar com o exemplo).
Dessa forma, a divindade solar, seja Hélios-Apolo ou Cristo, não é meramente uma representação antropomórfica do Sol, mas a personificação de um aspecto da psique que também é simbolizado pelo Sol.Uma vez que o Sol é um dos símbolos mitológicos mais antigos, difundidos e importantes, não é fácil resumir seu significado em poucas palavras. Mas, por baixo de todas as nuances e matizes que o simbolismo solar assumiu ao longo de milhares de anos, o núcleo de significado é relativamente simples: a luz do Sol simboliza a luz da consciência e o astro da qual ela emana representa a fonte da consciência, ou seja, o Si-mesmo. Em outras palavras, quando o solstício de inverno começou a ser comemorado, sua finalidade original era celebrar o nascimento da consciência a partir das trevas do inconsciente, isto é, o momento na história (coletiva ou individual) em que o ser humano torna-se uma criatura consciente.
The Winter of Our Discontent. - Esse significado original, porém, ganha uma camada mais profunda quando levamos em conta que a consciência que emerge do inconsciente ainda não é o produto final, acabado. O desenvolvimento da consciência é um processo, a individuação, que, como se viu emoutra parte, pode ser grosseiramente dividido em duas etapas. Na primeira, a fim de que possa se diferenciar do inconsciente, a consciência precisa ser contida pelo ego, que fornece um espaço no interior do qual ela pode se desenvolver. É por isso, aliás, que o Sol algumas vezes também simboliza o ego, na qualidade de portador da luz (lucis fer) da consciência. Esse casulo protetor do ego é constituído não apenas pelo eu individual, mas também pelas estruturas sociais que são um prolongamento do ego na esfera coletiva.
No entanto, chega um determinado estágio em que a consciência atinge o máximo que é possível crescer dentro dos limites estreitos do ego e da sociedade. Para que ela possa desenvolver plenamente seu potencial, a consciência precisa superar esses limites, e aqui as estruturas egóicas passam a desempenhar um papel semelhante ao que o inconsciente desempenhava originalmente, a saber, um empecilho à consciência. Neste ponto, o simbolismo inicial do Sol Invictus passa a representar não apenas a consciência brotando do inconsciente, mas a transcendência das forças egóicas, individuais e coletivas, que impedem a plena realização do Si-mesmo. O inverno já não encarna somente a inércia inconsciente, mas torna-se uma representação dramática do que Shakespeare chamou dewinter of our discontent, o inverno de nossa desesperança, que podemos assimilar, através de um jogo de palavras menos forçado do que parece, à civilization and its discontents freudiana. Em outras palavras, o estado de sístase.
Se o nascimento da consciência era o significado exotérico do nascimento do Sol Invictus, seu sentido esotérico é o triunfo da consciência sobre o inconsciente e o ego, a dissolução do estado de sístase e a plena encarnação do Si-mesmo no indivíduo. É essa encarnação que o mito de Cristo dramatiza e é essa encarnação que Nietzsche anunciava como o advento do Super-Homem, a realização integral de nosso potencial como seres humanos dotados de uma essência divina. Se há algo que vale a pena comemorar no Natal, é esse advento.

publicado por a-origem-do-homem às 22:59

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