terça-feira, 7 de junho de 2011

A LINGUA QUE JESUS FALAVA


Com os punhos e os pés pregados na cruz, Jesus Cristo contorcia-se de dor por causa dos ferimentos e da lenta falta de ar. No meio dessa agonia desumana (era preferível morrer decaptado do que falecer lentamente na cruz, que só os romanos poderiam ter imaginado como forma de proporcionar uma morte horrível para seus condenados à morte), Jesus Cristo implorou a Deus que tivesse piedade dele e lhe desse morte rápida. Quando não aguentava mais sofrer em silêncio, Cristo gritou soltando o ar que ainda restava de seus pulmões: “Eloí, Eloí, lama sabactani” (Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?). Esta frase está estampada no Novo Testamento, redigido originalmente em língua hebraica, mas não está neste idioma, mas em aramaico, a língua que Jesus Cristo e seus apóstolos falavam.
A maior parte da Bíblia cristã foi escrita originalmente em hebraico e traduzida posteriormente por sábios judeus para o grego. No entanto, algumas palavras e frases em aramaico atribuídas a Cristo ficaram registradas no texto original, tal como se os evangelistas quisessem resgatar, através das palavras textuais exatas, as minúncias de certas cenas da vida do fundador da religião. E tais minúncias foram registradas até em simples diálogos como o de Jesus com Maria Madalena.
Sepultado pelos apóstolos após morrer na cruz, Jesus ressuscitou ao terceiro dia. Maria Madalena, a ex-prostituta que se converteu à religião cristã, tinha ido ao sepulcro quando encontrou-o aberto. Vendo que o corpo havia desaparecido e imaginando que este havia sido retirado para ser violado, Maria Madalena chorava. Um estranho aproximou-se dela e disse: “Mara” (Maria). Madalena reconheceu a voz de imediato e exclamou em aramaico: “Raboni!”(Mestre!). Era Jesus em carne e osso ressuscitado que, dias depois, como conta a Bíblia, subiria aos céus.
Muitos imaginam que a língua de Jesus Cristo era o hebraico. A razão é simples. Ele era judeu e o idioma deles é o hebraico. Porém, Cristo falava aramaico. Por quê? Que língua é essa? Com um tão ilustre usuário, o aramaico suscita uma atenção especial dos linguistas. E fazendo jus à fama, esse idioma, tido como sagrado, tem uma bela e singular história.
Os linguistas classificam o aramaico como um idioma do tronco semítico, o mesmo do hebraico e do árabe (O Português pertence ao grupo “Indo-Europeu). O nome “Semítico” origina-se de “Sem”, o filho mais velho de Noé. Os outros dois irmãos de Sem eram Cam e Jafet, que também foram homenageados com seus nomes dados a outras famílias linguísticas.
Conta a Bíblia que após o dilúvio, Noé e sua família desembarcaram da arca encalhada no monte Ararat e dispersaram-se pelo mundo. Sem e a esposa desceram o monte em direção ao sul. Seus descendentes povoaram a Mesopotâmia e a maior parte do Oriente Médio.
Segundo a Bíblia, a humanidade após a tragédia do dilúvio descende de Noé e de seus três filhos. Falavam uma só língua. Mas esta se modificou ao longo dos séculos com a dispersão de seus descendentes pelo mundo. A Bíblia conta a história da maldição de Deus no episódio da Torre de Babel. Verdade ou fantasia, sabe-se cientificamente que quando tribos separam-se e nunca mais encontram-se, mesmo falando o mesmo idioma, este modifica-se radicalmente ao longo do tempo ao ponto de um grupo não entender mais o outro caso ocorra algum encontro séculos depois.
O aramaico de Jesus Cristo era falado por uma pequena tribo na Mesopotâmia (atual Iraque). No sul dessa região havia uma cidade chamada Ur onde vivia Abraão, um descendente de Sem. Como relata a Bíblia, por volta dos anos 2000 a.C., Abraão imigrou com sua mulher Sarai (mais tarde modificada para Sara) e criadagem para Canaã (que mais tarde passou a ser conhecido por Israel e Palestina) por ordem de Deus. Este lhe prometera uma terra sobre a qual Abraão reinaria e do qual descenderia um povo eleito pelo Divino. Trata-se do povo judeu.
Também chamado de hebreus, esse povo multiplicou-se e povoou Canaã após expulsar várias tribos que habitavam aqueles terras hoje chamadas de Israel. Os judeus falavam o hebraico, idioma do Antigo Testamento.
Eis que em 606 a. C. Israel foi invadido pelos babilônios do rei Nabucodonosor. Os judeus sobreviventes acabaram deportados para o cativeiro da Babilônia. Os hebreus viveram 70 anos como prisioneiros naquele país (hoje Iraque). Nesse tempo a maioria deles esqueceu a língua hebraica e passou a exprimir-se em aramaico, idioma de uma região vizinha à Babilônia. Aquele império era formado por inúmeros povos de línguas, costumes e religiões diferentes. O aramaico havia tornado-se o idioma comum a todos os povos do império babilônico. É um idioma semítico como o hebraico e a maioria das línguas daquela região. Era de fácil aprendizado para aqueles povos.
E o aramaico fora citado pela primeira vez na Bíblia no livro de Daniel. Este profeta viveu no cativeiro da Babilônia. O rei Baltasar, neto de Nabucodonosor, promovia um banquete quando na parede do palácio, para espanto e terror dos convidados, uma mão invisível escreveu as seguintes palavras: “Mene, Mene, Tekel, Upharsin”. Conhecido como advinho, Daniel foi chamado pelo monarca para interpretar aquela inscrição em aramaico cuja tradução era: “Numerados, numerados, pesados, divididos”.
O profeta explicou ao rei Baltasar que o reino da Babilônia estava com os dias contados. Dito e feito. Naquela mesma noite do banquete os persas e medos lançaram um ataque fulminante contra a Babilônia e conquistaram-na em pouco tempo.
O rei da Pérsia Ciro, adepto da religião Zoroástica, que pregava nobres ensinamentos de tolerância e respeito ao próximo, mostrou-se piedoso com os judeus e libertou-os do cativeiro. Retornaram para sua terra natal e reedificaram o templo de Salomão, arrasado por Naducodonosor quando invadira Jerusalém 70 anos antes.
Antes língua do império babilônico, os persas instituíram o aramaico como língua de comércio em seu reino. “Dario, un juvene nobile persian, considerava necessari le uso de un lingua commum que poterea esser comprendite per tote le imperio. Pro isto, ille seligeva le lingua aramaic, que jam era usate como lingua commercial a Mesopotamia, nam ille credeva que le aramaos era le negotiantes principal del Oriente Proxime ”, escreveu o presidente da União Brasileira pró Interlíngua, Gilson Passos, em seu artigo intitulado “Proque un Lingua International”, estampado na internet na home page (senha: http://ourworld.compuserve.com/homepages/Paolo Castellina/Proqueli.htm). O trecho em questão está escrito em Interlíngua, um idioma inventado sobre o qual abordei no capítulo sobre línguas arteficiais.
Retornando ao nosso assunto, depois que os judeus foram libertados pelos persas, já não falavam mais hebraico- apenas aramaico. Só os rabinos utilizavam o velho idioma pátrio para ler, escrever e interpretar o Antigo Testamento. E o aramaico dos judeus inspirou a criação do alfabeto pelos fenícios, povo que vivia ao norte de Israel, onde hoje é o Líbano. Estes últimos falavam uma língua também semítica. Arquitetos desse famoso povo de mercadores ajudaram na reedificação do tempo de Salomão.
Boi em aramaico é “Alef”, casa chama-se “Bet”, porta soa a “Dalet”. A antiga escrita do aramaico representa os objetos por meio de desenhos. Foram esses desenhos que inspiraram os fenícios a criarem o alfabeto. Vejamos a letra “ A”. Virada de cabeça para baixo fica assim: . Olha bem. Não parece um desenho representando a cabeça de um boi com seus dois chifres? Claro, era o ideograma aramaico de “Alef” (boi). É daí que surgiu a letra “ A” de nosso alfabeto. Os fenícios transformaram os desenhos da escrita aramaica e de outros povos do Oriente Médio em letras que hoje compõem o alfabeto que usamos.
Tendo sido a “Lingua Franca” de boa parte do Oriente Médio na antiguidade, o aramaico passou a ser menos falado paulatinamente depois que o povo judeu foi dispersado pelo mundo após a expulsão da Palestina pelos Romanos em 77 depois de Cristo, ou seja, 44 anos após a crucificação de Jesus.
Conta a lenda que a antiga escrita da Mongólia, aquele páis do lendário conquistador Genghis Khan, vem da grafia do aramaico trazida por Jesus Cristo. Mas como? Que história é essa? Então, preste atenção nesse história.
Há um grupo de estudiosos da Bíblia e historiadores que acreditam que Jesus Cristo não morreu na cruz e passou o resto de seus dias na Índia, onde casou e teve filhos. Essa polêmica tese vem provocando apaixonados debates e acusações entre os teólogos nos últimos anos. Afinal de contas, como diz o ditado popular, discutir gosto, mulher, time de futebol, política e religião dá o maior pepino. Toda a polêmica em torno da interpretação da Bíblia Cristã surgiu por causa justamente de contradições nos textos de diversos autores desse livro cujo nome significa “Conjunto de Livros” em grego.
E não é a toa que, devido a essas contradições de interpretação, houve a reforma de Martinho Lutero, que dividiu a Igreja Católica na Idade Média. Desse movimento, surgiu o Protestantismo e, ao longo dos séculos seguintes, as inúmeras igrejas e seitas de orientação cristã que existem hoje. Qualquer interpretação contrária aos dogmas da Igreja Católica é motivo para acirrada discussão no meio religioso, ainda mais se pôr em xeque a crença da morte de Cristo na cruz e a sua ressureição. Se se botar em cheque até a existência de Jesus, a pauleira come solta.
A polêmica teve sua chama acesa em 1887 quando um jornalista russo chamado Nicolas Notovich encontrou um singular manuscrito no monastério budista de Himis, no Tibete, terra natal do Dalai Lama. Este país foi invadido e incorporado à China em 1959.
Nos pergaminhos encontrados por Notovitch, lidos por ele mesmo ou traduzidos por algum monge conhecedor da antiguíssima língua tibetana, relatava-se a história de um jovem judeu que os monges tibetanos chamavam de Issa. Acredita-se que Issa era Jesus Cristo. O manuscrito é datado da mesma época em que viveu o fundador da religião cristã. Há uma série de intrigantes semelhanças com alguns relatos bíblicos. Os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João não relatam nada sobre a vida de Jesus entre os 13 aos 29 anos de idade. Onde ele teria vivido? O que Cristo teria feito nesse período?
O manuscrito tibetano relata que Issa foi um jovem judeu que partiu da Palestina numa caravana de mercadores e peregrinou pela Pérsia, Índia, Mongólia e Nepal, antes de chegar ao Tibete, onde aprendeu com os monges budistas boa parte de seus ensinamentos e a habilidade de expulsar espíritos malignos dos possessos. Depois, como informou o instigante documento, o jovem retornou a Israel quando tinha 29 anos. A idade encaixa com o relato bíblico pois, após a passagem dos 12 anos, a Bíblia dá um salto em sua narração, enfocando novamente Jesus aos 30 anos sendo batizado por seu primo, o eremita João Batista, nas águas do rio Jordão. E depois o drama segue até a morte na cruz do fundador da religião cristã aos 33 anos.
A tese de que Cristo não morreu na cruz é defendida por uma das mais populares e respeitadas profetas norte-americanas, Elizabeth Clare Prophet, que esteve em 1997 no Brasil proferindo palestras sobre a tese. Ela é autora dos livros “Os anos ocultos de Jesus”e “Os ensinamentos perdidos de Jesus”.
Entre os vários pontos de suas teses, está uma constatação sobre as contradições da Bíblia. Uma delas, por exemplo, é o encontro do apóstolo Paulo com um dos vários irmãos de Jesus Cristo. Então, Maria teve filhos com seu marido José, o carpinteiro. Cristo, portanto, não era filho único. Mas os evangelhos contradizem-se sobre esse detalhe. Portanto, para alguns estudiosos, a Bíblia mistura ficção com realidade. Segundo estudiosos dessa corrente, o relato da vida de Cristo na Bíblia pode ser ficção em sua maior parte. Se isso fosse dito no século XVI, a Inquisição não perdoaria. Patíbulo direto!
Segundo Elizabeth Prophet, Cristo não morreu na cruz porque os apóstolos deram uma erva ao agonizante Jesus que tinha o efeito provocar uma interrupção momentânea nas funções vitais do corpo fazendo com que parecesse morto, mas não estava. A tal erva seria semelhante a que a personagem Julieta, da famosa peça de de teatro de William Shakespeare, tomou para simular sua morte, com o objetivo de enganar seu pai para, depois de acordar do profundo sono, casar-se com Romeu. Conforme a autora, Cristo, recuperado do martírio pelo poder da erva, teria vagado pelo mundo chegando à Índia onde viveu até os 81 anos de idade, com sua esposa. Lá teve inúmeros filhos. Acredita-se que Cristo casou-se com Maria Madalena!!!
Se isso essa história toda for verdade, cai por terra uma multidão de dogmas das religiões cristãs. Sabe-se lá exatamente o que ocorreria nas cabeças de muita gente religiosa desse planeta. É igualzinho o drama da novela “Rock Santeiro”, famosa história de autoria de Dias Gomes sobre um santo que, na realidade, como acreditavam os devotos, não tinha morrido e muitas das histórias santas contadas sobre ele não passavam de fantasia por um motivo muito simples: ele estava vivinho da silva!
Mas não desejo enveredar-me por essa discussão que dá o maior pepino, ainda mais que existem muitos fanáticos religiosos por aí não dando trégua para quem fala lances diferentes da cartilha da religião. Exponho apenas os fatos. De um lado, estão os que acusam que tal interpretação é uma blasfêmia. De outro, há aqueles que salientam que a Bíblia tem suas contradições devido a traduções e interpretações deturpadas pela Igreja Católica. E um terceiro grupo é de opinião que, seja lá como tenha sido a vida de Cristo, se morreu ou não na cruz, se possuía irmãos ou era filho único e outros detalhes, nada tira a divindade e o significado desse personagem singular para a história da humanidade.
E retornando ao assunto “aramaico”, a escrita desse idioma teria chegado à Mongólia, país em que Cristo supostamente teria passado, como acreditam certos estudiosos da Bíblia. Os sinais gráficos do aramaico, supostamente trazidos por várias tribos semitas que migraram para aqueles confins do mundo, cuja história perdeu-se na poeira do tempo, acabaram incorporados a uma antiguíssima escrita da Mongólia. A título de informação sobre esse longíncuo país habitado por um povo falante de uma língua aparentada com o turco e coreano, a antiga escrita mongol, baseada na aramaica, acabou tendo também influência no século XIII da escrita dos uigurs, um povo primo dos turcos. Em 1941, essa antiga escrita foi substituída pelo alfabeto cirílico por influência dos russos. Em 1942, devido ao apoio da União Soviética, a Mongólia sucumbiu a uma revolução que transformou o antigo império em uma república socialista estilo soviética.
Enquanto isso, o aramaico foi perdendo seus falantes ao longo dos séculos. Em 1948, os judeus retornaram à sua ancestral terra natal e formaram seu antigo país- Israel. Ressuscitaram a língua hebraica como idioma oficial da nação. O aramaico, tido como um idioma estrangeiro à cultura hebraica e que ressuscita a triste lembrança do Cativeiro da Babilônia, nem foi cogitado para segunda língua ou como um dos idiomas culturais do país. Hoje o idioma de Cristo é falado apenas em algumas remotas aldeias do Irã, Iraque e Síria e na mente de alguns saudosistas.

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