sexta-feira, 18 de maio de 2012

O OVO DA SERPENTE

 
Advogados, juristas, acadêmicos de plantão e outras autoridades que, na maioria, jamais cruzaram os portões de um presídio ou conversaram com um criminoso, instigados, rapidamente põe se a deitar opiniões sobre as razões do crescimento do crime organizado que emerge dos presídios Paulistas, culminando nos covardes e inescrupulosos ataques ocorridos recentemente que atingiram, principalmente, os integrantes das Policias Civil – Militar e Agentes Penitenciários de São Paulo, todos, sem exceção concluem que se faz necessária à punição exemplar dos envolvidos que, segundo entendem, devem ser processados e presos.

Ocorre que os responsáveis por esses delitos já estão presos. Assim, é fácil concluir que o raciocínio está equivocado, pois pretendem chegar a um final que, verdadeiramente, significa o inicio do problema.

São incontáveis as rebeliões com milhares de reais em prejuízo material, sem contar o humano. Destacam-se, com razão, as mortes de policiais, agentes penitenciários e até de um magistrado. Mas, ignora-se que, diariamente, a mesma facção criminosa determina a morte de dezenas de pessoas nas periferias das grandes cidades, sem que nada disso tenha repercussão ou punição na forma necessária.

Um jovem qualquer no Estado de São Paulo, seja nas grandes, médias ou pequenas cidades, é condenado por um delito qualquer que impossibilite uma substituição por alguma das inúmeras penas restritivas, e a seguir é encaminhado a uma Unidade Prisional, seja ela administrada pela SAP, seja pela SSP/SP. Chega ao presídio quase sempre sem roupas, descalço, sem qualquer apoio externo, em situação de absoluta miserabilidade, assim como a própria família que fica do outro lado. Rapidamente é socorrido pelos “irmãos” mais poderosos que se encontram naquele presídio. Recebe roupas, tênis de marca, algum auxílio financeiro para si e para a própria família, drogas para consumo e, imediatamente, se torna devedor para com aqueles. Logo após é “batizado” pela facção e se torna mais um “irmão”. Feito isso, está irremediavelmente comprometido com o crime, sem nenhuma perspectiva de retorno normal ao convívio social.

Dentro do presídio receberá a visita intima de uma namorada, ou companheira, ou esposa. Em pouco tempo seu companheiro de cela perguntará se aquela companheira ou esposa não tem uma colega que possa visitá-lo, já que está só. Jovens encantadas pelo suposto poder transmitido pelo meio criminoso é o que não falta, e dias depois aquela outra jovem está incluída no rol de visitas daquele outro preso, e assim sucessivamente. Em pouquíssimo tempo, todas essas jovens são transformadas em cúmplices, ora comandando pequenos pontos de tráfico nas ruas a mando dos presos, ora servindo como “mulas”, para introdução de entorpecentes, celulares, armas ou corrompendo funcionários a mando daqueles sentenciados. Algumas, na verdade, são apenas incluídas como visitas de presos sem que tenham qualquer relação com eles, apenas servindo para o transporte de drogas, celulares e outras coisas, além de manterem relações sexuais com outros detentos mediante pagamento. É o ciclo vicioso, o ovo da serpente.
É fácil imaginar, que se são mais de cem mil presos, e cada um deles tem vinculação com quatro ou cinco criminosos nas ruas, temos milhares de criminosos diariamente nas ruas a serviço daqueles que se encontram presos.

Passa-se algum tempo, bem curto, aliás, e aquele jovem mencionado inicialmente está nas ruas novamente, em liberdade. É mais um soldado da facção. Terá que cumprir, sem discutir, qualquer ordem que receber dos “generais”, posto que, entre eles, os processos têm cognição sumária, sem direito a recursos e hábeas corpus, e terminam quase sempre com a frase fatal: “xeque-mate”. Em instante aquele individuo estará morto, assim como toda a sua família considerando, eventualmente, a gravidade da afronta que tenha feito segundo os critérios do crime. Assim ocorre com os que desobedecem como com aqueles que se interpõe no caminho de algum “irmão” que controle algum ponto de tráfico de interesse da facção, como aqueles que ficam com dívidas para com o comando da facção.

O cerne, a questão central do problema que fomenta o crescimento e fortalecimento das facções criminosas está centrada em três pontos que, basicamente, resumidamente, acaba em um único: as visitas, a comunicação via celular e a ausência de punição.
Indignam-se as autoridades e acadêmicos com a facilidade de ingresso de celulares nos presídios, desconhecem, entretanto, que dezenas, centenas de mulheres são detidas todas as semanas levando no interior de seus corpos (vagina e ânus) um, dois e até três celulares de cada vez, sem contar as drogas. Desconhecem que os detectores de metal são ludibriados. Desconhecem que mulheres grávidas (que não podem ser submetidas a raios-X) são as mais utilizadas. Desconhecem que a simples ameaça de uma revista mais detalhada em uma mulher na portaria de um presídio pode, imediatamente, desencadear uma rebelião com conseqüências físicas para os funcionários, que, seres humanos, evidentemente têm receio quanto à própria segurança e de familiares totalmente desamparados pelo Estado.

Desconhece a maioria que um celular apreendido no interior de uma cela quase sempre é dado como de propriedade de um preso que, na verdade, nem sequer chega perto daquele aparelho, mas é obrigado a assumir a sua propriedade para não sofrer represálias do verdadeiro proprietário. Como a Lei não prevê responsabilidade objetiva ou coletiva, acaba sempre punindo o “laranja”. O mesmo ocorre com os crimes e rebeliões, posto que os verdadeiros autores estejam protegidos pelo exército de laranjas a seu dispor.

Desconhecem os acadêmicos que presos não podem ser lançados no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) sem decisão judicial. A decisão judicial, a seu turno, depende de provas. E as provas, nesse meio, são quase impossíveis de conseguir, pois a responsabilidade, na maioria das vezes, como já dito, é lançada sobre laranjas, e os verdadeiros mandantes continuam impunes.

Desconhece a população (e muitas autoridades), que a maioria dos ônibus que transportam visitas de presos para as diversas regiões do Estado é de propriedade (ou pagos) pela própria facção criminosa, servindo gratuitamente aos familiares.
Desconhece a população e a maioria das autoridades que os presídios não possuem alas próprias para visitas intimas ou de familiares, de maneira que elas são feitas nas próprias celas, facilitando o ingresso de celulares, armas e drogas, bastando que a visita consiga passar pela revista inicial.

Desconhecem as autoridades que o serviço de inteligência nessas áreas tem que se valer, basicamente, da escuta telefônica. Ocorre que presos trocam, diariamente, cinco, seis ou sete aparelhos telefônicos, assim como colocam em conferência 10 ou 12 outros sentenciados de uma só vez, em várias localidades diferentes. O rigorismo legal, e o formalismo próprio do procedimento de interceptação telefônico, assim como as regras de competência jurisdicional impedem, quase que totalmente, um serviço de inteligência eficaz nesse plano.

A medida tomada pela Secretária da Administração Penitenciaria removendo para uma só Penitenciaria do Estado quase todos os líderes ou principais simpatizantes da facção é positiva e benéfica. Se você tem um problema qualquer disseminado, manda a boa técnica que reúna todos aqueles pontos em um só local para que o controle possa ser mais efetivo.

A questão que se coloca é, por que será que isso não foi feito antes? Será que as autoridades menores jamais pensaram nisso? Será coincidência o fato de isso só ter sido feito após a mudança de Governador, tendo assumido um homem que não tem pretensões políticas maiores? Não é candidato a nada!

As represálias eram previstas, e com elas as repercussões negativas que poderiam atingir uma candidatura. E vão continuar certamente. Em pouco tempo, assim que comecem a receber visitas, esses líderes reunidos irão tentar a articulação com os que estão fora ou em outras Unidades. Será aí que o Estado terá que mostrar a firmeza necessária.
Não basta colocar todas as lideranças em um único presídio.

As visitas não podem ter acesso às celas. Os presos é que devem se deslocar, sendo revistados no momento em que voltam a elas. Qualquer celular, arma ou droga, nessas hipóteses, só poderá existir em caso de corrupção interna, o que é bem mais fácil de identificar e impedir.

Não se justificam o contingente enorme de visitas todos os fins de semana. Basta olhar as saídas de presídios para ver as mulheres levando um filho pela mão, outro no colo e grávida de outro. Se o marido ou companheiro está preso, quem sustentará essas crianças? Quem sustentará ou educará aqueles que são gerados no interior das celas? Qual o futuro que espera essas crianças, que desde tenra idade, aprendem que o certo é aquele lado. Que fazem de presos, criminosos perigosíssimos, seus heróis? Qual o grau de comprometimento ético e moral dessas crianças no futuro? O que é que justifica crianças de dois, três, cinco anos de idade, circulando em pavilhões e celas de penitenciarias todos os finais de semana, brincando de bandido e polícia e quase sempre se recusando a escolher outro lado que não seja o primeiro? Novamente vê-se o ovo da serpente.

Como se justifica que uma mulher qualquer, apenas juntando uma declaração firmada por duas testemunhas (quase sempre mulheres de outros presos), possa se apresentar em uma Unidade prisional e ser incluída no rol de visitas de um preso que, na mais das vezes nem sequer conhece, quando se sabe que, na verdade, pretende apenas introduzir drogas, celulares, armas ou mesmo se prostituir no local? É, em última análise, o próprio Estado fechando os olhos para o tráfico e para a prostituição. É o crime institucionalizado.

Para que visitas todos os finais de semana e feriados seguidos? É ilusão pensar que criminosos são por demais apegados à família. Já estão presos exatamente porque não respeitam os outros, nem pensam neles. As visitas, quase sempre, com raras exceções que sempre existem, são a própria sobrevivências do indivíduo em termos materiais e para a mantença da sua situação no mundo do crime.

Até entre as mulheres de presos existe hierarquia. Mulheres dos líderes na se submetem a filas nos presídios. Entre elas existe verdadeira malha de informações. Transmitem as informações. Conseguem as contas bancárias em nome de terceiros para que sejam feitos os depósitos derivados do tráfico e de extorsões nos presídios, enfim, significam, basicamente, a base de sustentação do crime que emerge nos presídios Paulistas.

Agiu corretamente o Governo paulista. Não deve, nem pode recuar, sob pena de perder a guerra definitivamente. Mas são necessárias várias outras medidas, algumas de cunho legislativo. Restrições a visitas íntimas. Exigência de comprovação de estado de casado (certidão ou sentença judicial reconhecendo união estável). Proibição do ingresso de menores e adolescentes nos pavilhões dos presídios. Instalação de aparelhos de revista eletrônicos. Cruzamento de dados relacionados com visitas. Criação de uma central de inteligência relacionada com a matéria, com pessoas que realmente conheçam do assunto. Integração com o Ministério Público e o Judiciário para centralização e agilização dos procedimentos relacionados com crimes emergentes do sistema prisional. Uniformização de entendimento relacionado com a aplicação da Lei de Execução Penal (o que vale para uma região tem que valer em outra), enfim, uma série de medidas que demandam esforço, estudo, interesse e conhecimento do problema. Sem teorias acadêmicas ou argumentos despropositados formulados por quem nada conhece do assunto.

Marcolas e assemelhados existem aos milhares no sistema prisional. A questão não é de nomes ou de líderes. A questão é o próprio sistema.

Se nada for feito, o simples recolhimento dos lideres na forma realizada significará apenas e tão somente uma maior demora para a eclosão do ovo, do qual será gerada uma serpente ainda maior e mais perigosa que a existente atualmente.

(*) Edmar de Oliveira Ciciliatti é Juiz de Direito

Nenhum comentário:

Postar um comentário