Há dias atrás a televisão (somente a rede Record) noticiou que o
governo Lula fez um acordo com o Vaticano - e aprovado pelo parlamento
na quarta-feira 25 de agosto à noite, - em que o governo brasileiro
concede à igreja católica o direito de adotar o ensino religioso nas
escolas públicas.
Muito me espantou a decisão do governo brasileiro por dois motivos:
primeiro, a sociedade em momento algum foi consultada. Segundo, porque o
Estad o brasileir o é laic o , o u seja, nã o tem religiã o o
ficial, nã o apenas desde a C o nstituiçã o de 1988, mas desde o decret o n. 119-A, de sete de janeir o de 1890
. A laicizaçã o d o Estad o brasileir o f o i c o nfirmada pela
primeira C o nstituiçã o republicana, pr o mulgada em 24 de fevereir o
de 1891, n o parágraf o 7 º de seu art. 72, que desde entã o f o i
repr o duzid o pelas c o nstituições subsequentes at é chegar a o art. 19, inciso I da C o nstituiçã o de 1988 que, quase c o m a mesma redaçã o , pr o íbe à Uniã o , a o s Estad o s, a o Distrit o Federal e a o s Municípi o s " estabelecer cult o s religi o s o s o u igrejas, subvenci o ná-l o s, embaraçar-lhes o funci o nament o o u manter c o m eles o u seus representantes relações de dependência o u aliança, ressalvada, na f o rma da lei, a c o lab o raçã o de interesse públic o ".
A liberdade religiosa é uma conquista de séculos contra o domínio
católico cristalizado na Idade Média onde a Igreja única religião no
mundo europeu controlava com sua ideologia a vida do homem medieval.
Esse controle e depois perseguição religiosa não se restringiam somente
às questões de fé, mas também à ciência. Os dogmas católicos tinham mais
autoridade que a razão e a ciência. O astrônomo italiano Galileu
Galilei é um exemplo disso: Após um julgamento longo e atribulado foi
condenado a abjurar publicamente as suas idéias e a prisão por tempo
indefinido por ensinar a teoria do heliocentrismo (o sol como centro
do universo) em contraposição ao que a Igreja dizia que a Terra era o
centro do universo baseando-se nos ensinos do filósofo grego
Aristóteles.
Essa hegemonia milenar da Igreja começou a ruir com os ensinos do
monge agostiniano alemão Martinho Lutero. Inconformado com os abusos que
a igreja praticava da qual ele pertencia e não pretendia se desligar,
pregou na entrada da Universidade de Wittenberg, atual Alemanha, as
suas 95 teses. Dentre as teses, tratava da questão da salvação somente
pela fé e não pelas obras como a igreja católica ensinava. Lutero
denunciou a quebra do juramento celibatário pelo clero para manter
amantes e viver de forma lasciva e desordeira. Havia também a exploração
da fé da população quanto à venda de indulgências (perdão dos pecados) e
simonia (venda de relíquias sagradas). A reação da Igreja Católica às
críticas do monge não se fez por esperar: sem admitir seus erros e
isenta de humildade reagiu com a contra reforma. A Igreja confirmou
seus dogmas mesmo com o risco de uma cisão. Só restava aos que
discordavam da postura autoritária e anticristã desligar-se da
Igreja-mãe e fundar uma nova denominação onde fosse possível viver de
acordo com os ensinamentos do humilde Jesus a quem professavam
obediência, e reconheciam como única autoridade entre o céu e a terra.
O acordo selado entre o governo e a Santa Sé provocará um retrocesso
histórico - intelectual conquistado às custas de muita luta e sangue
pelos reformadores do século XVI e logo depois de cristalizada pelos
iluministas no século XVIII onde a razão e não a fé cega (pregada pela
igreja medieval) deveria guiar seus caminhos. A laicidade das escolas na
França foi decorrência da disseminação das idéias difundidas pelos
filósofos das luzes. Agora em pleno século XXI o autoritarismo da Igreja
Católica parece renascer das cinzas como um vulcão adormecido para
assombrar seus moradores.
Alguns católicos quando entrevistados a respeito do acordo firmado
entre o governo brasileiro e a Santa Sé se posicionaram contra essa
medida. Foram coerentes e lúcidos quanto à questão do ensino religioso
nas escolas públicas. Como ficarão outras denominações quanto ao direito
de ensinar nas escolas suas doutrinas? E o direito dos estudantes de
não assistir às aulas? E o que dizer da liberdade religiosa confirmada
pela Carta Magna, a Constituição brasileira? Essas são questões por
demais importantes para serem deixadas à mercê de alguns parlamentares
incautos e incultos.
O jornalista Didymo Borges comentando o acordo entre Brasil e o Vaticano, diz que
"nunca é demais relembrar que a experiência da intromissão de
religião nos negócios de Estado tem proporcionado exemplos de deletérias
conseqüências tais como na teocracia no Irã, no regime talibã no
Afeganistão, na ditadura islâmica na Arábia Saudita, na ideologia
comunista alçada à condição de cega religiosidade na Coréia do Norte".
Os exemplos da História nos indicam que a associação do Estado com
religião ou com a anti-religiosidade, como no exemplo da Alemanha
nazista e na União Soviética do regime stalinista, resultam em dolorosas
conseqüências que devemos evitar. Não podemos nem devemos remeter o
Brasil ao obscurantismo medieval com este acordo com o Vaticano. Basta
de acordos e leis de natureza corrupto-idiossincrática que engessam,
atrasam e expõem o povo brasileiro à sanha obscurantista de interesses
inconfessáveis.
Mesmo após a proclamação da República em 1889, o Estado brasileiro
sempre andou de mãos dadas com a igreja católica. Na prática, a Igreja
sempre agiu como única denominação a impor sua vontade e autoritarismo.
Por ocasião da Guerra Fria onde o bloco socialista ameaçava implantar o
comunismo em países periféricos, a Igreja trabalhou com a ideologia de
que o comunismo era obra do demônio e o sistema capitalista a panacéia
para a humanidade. Com o lema Deus, Pátria e Família, o Movimento
Integralista Brasileiro teve seu ideal de família baseado na doutrina
católica. Nela, de sua solidez e do seu controle quanto à moralidade,
primordialmente, a católica, estaria à base de sustentação de toda o
restante da sociedade.
No golpe militar de 64 a Igreja esteve ao lado dos militares. Só
após seus próprios membros serem perseguidos e torturados pelo regime
que defendeu (Frei Betto, Frei Tito entre tantos), é que reagiu e lutou
em defesa de seus membros.
A liberdade religiosa não fica, absolutamente, restringida com a preservação da laicidade do Estado, que é condição sine qua non
para o Estado democrático de Direito. Não devemos abrir mão dessa
conquista tão importante para nós cidadãos, senão corremos o risco da
democracia brasileira se tornar tão somente um regime de fachada.
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