por: Roberto Lazaro Silveira
Este é um capítulo do livro entitulado A Busca do Ser, escrito por
Grof e esposa, que vou apresentar-lhes na íntegra. Vale a pena ler e
reler com muita atenção!
Há duas conexões entre a emergência espiritual e a dependência
química que são baseadas em nossas observações informais; esperamos que
elas ajudem para uma maior compreensão dos problemas do vício e da
emergência espiritual.
Algumas pessoas apelam para o alcoolismo tornando-se dependentes de
drogas ou de outros vícios durante uma emergência espiritual. Estamos
encontrando cada vez mais pessoas em processo de transformação que
apelaram para substâncias que causam dependência, numa tentativa de
suavizar o desgaste desse período intenso.
O álcool, assim como as demais drogas, proporcionam uma fuga
temporária das pressões, da dor, do caos do mundo interior e da
alienação que uma pessoa pode sofrer em relação ao mundo exterior. Isso
pode ser complicado se, num estado de perturbação, a pessoa buscar a
ajuda de um psiquiatra solidário, mas desinformado, que prescreva
tranqüilizantes que causem dependência.
Embora o uso moderado de tranqüilizantes possa ser indicado em
algumas situações, seu uso freqüente para suprimir o processo é
contrário à expressão máxima exigida durante uma emergência espiritual.
E para muitas pessoas — especialmente para aquelas com tendência para
o vício — é fácil fazer uso desses medicamentos de maneira abusiva.
Além disso, uma das manifestações primárias de experiências como o
despertar da Kundalini é uma tremenda energia.
Em especial durante os estados altamente estimulantes, uma grande
quantidade dessa energia é expressa através de movimentos físicos e
exaltação emocional, em geral exaurindo os recursos físicos da pessoa.
Como conseqüência, ela se vê sonhando com doces, precisando
substituir os carboidratos que foram consumidos. E dos doces às bebidas
alcoólicas, como o vinho do Porto, que tem um elevado teor de açúcar, a
distância é muito pequena.
Muitos viciados e alcoólatras têm uma sensibilidade, intuição ou
natureza mística altamente desenvolvida que, embora buscadas em outras
culturas, causam-lhes problemas no mundo moderno e contribuem para o seu
comportamento de viciados.
Isso fica patente quando percebemos que uma das afirmações mais
freqüentes feitas por pessoas em recuperação é “Sempre me senti
diferente, como um pária. Mas quando tomei o primeiro drinque ou outro
tipo de droga, a dor da separação desapareceu e senti como se eu tivesse
o meu espaço”.
Como já mencionamos, para muitas pessoas essa sensação de ter um
espaço pode ser a triste caricatura de um estado místico de união, a
pseudo-satisfação de um desejo intenso por uma grande sensação de si
mesmas.
Mas pode haver uma outra razão para esse comportamento, que também
está ligado ao impulso inato do homem para a emergência espiritual. Um
grande número de pessoas que se tornam viciadas em alcool ou outras
drogas cresceu em famílias desorganizadas, muitas vezes em situações de
abuso emocional, físico e sexual, em geral com pais quimicamente
dependentes, seja de alcool ou outras drogas.
A médium Anne Armstrong descreve em suas palestras a violência
emocional na sua família, o que a motivou a desenvolver e contar com sua
aguçada natureza intuitiva como um modo de sobrevivência. Onde os
mecanismos comuns de combate falhavam, ela se tornou capaz, através de
uma forte intuição crescente, de passar a perna e superar as pessoas que
a ameaçavam.
Este parece ser o caso de muitas pessoas que se desenvolveram nessa
atmosfera: incapazes de progredir com êxito aproximando-se diretamente
dos membros da família, elas aperfeiçoam suas inclinações psíquicas
sensitivas e naturais.
Os filhos de pais embriagados e irritadiços aprendem rapidamente
caminhos instintivos para cuidar de si mesmos; talvez ensinem a si
próprios a compreender o humor e os gestos dos pais ou a prever suas
ações através de impressões precognitivas.
Essas crianças em geral se voltam para o seu mundo interior em busca
de proteção, conforto e sensação de ter um espaço; elas podem fugir
sonhando acordadas, criando amigos e aventuras imaginárias ou lendo
durante horas.
Sao capazes de passar grande parte do tempo junto à natureza ou
praticando esportes, ou podem encontrar seu caminho na igreja local.
Podem desenvolver um forte relacionamento com sua índole mística ou
criativa e ter verdadeiras experiências espirituais ao longo do caminho.
Para essas pessoas, a emergência espiritual pode começar na infância —
iniciada, como são muitos outros processos a transformação, por um
desgaste físico ou emocional extremo. Então, depois de anos aprimorando
sua intuição, elas ingressam na nossa cultura – vão à escola, formam o
seu grupo e, depois, arranjam um emprego. Então são forçadas a viver
diariamente numa sociedade em que a racionalidade é a maneira de agir
aceita e a intuição é vista como debilidade ou fraqueza.
Elas passam a sofrer uma dor terrível e uma rejeição constante como
se quisessem se enquadrar num mundo construído em torno da lógica e da
razão. Podem também sentir um desejo estranho de voltar aos domínios
interiores que lhes dão consolo, segurança e um relacionamento com algo
além dos seus sofrimentos pessoais. Quando o primeiro gole ou droga
acontecem, seus problemas parecem estar resolvidos.
Seu sofrimento diminui e suas diferenças se difundem à medida que
seus limites individuais parecem dissolver-se e ingressar num estado de
pseudo-unidade. Elas ficam mais à vontade socialmente quando participam
de uma atividade altamente aceitável. Se têm predisposição para o
alcoolismo ou para a dependência de outros tipo de drogas, como seus
pais devem ter tido, podem tornar-se viciados num curto espaço de tempo.
Estas observações a respeito da relação complexa do vício do alcool e
outras dependências químicas com a emergência espiritual são apenas um
começo; com o tempo, muitas outras observações surgirão e também poderão
ser o assunto de uma pesquisa séria.
Sentimos que isso é essencial tanto no tratamento da dependência
química como no da emergência espiritual para a pessoa em crise, assim
como para seus familiares, para que tenham consciência da ligação entre
os dois tratamentos.
Se a pessoa estiver numa emergência espiritual, é preciso tomar
cuidado com o abuso de drogas, (em especial quanto às permitidas por lei
como alcool e tabaco); se tiver problemas com dependência química,
poderá ser-lhe útil procurar por outros indícios de uma emergência
espiritual.
É importante para os profissionais que trabalham na área do vício
reconhecer e encorajar as dimensões intuitivas, criativas e espirituais
dos seus clientes e oferecer-lhes programas nos quais esses aspectos
possam ser desenvolvidos.
O fato de o alcoolismo e de a dependência de drogas, assim como de
outros vícios, serem em muitos casos uma forma de emergência espiritual,
tem implicações de longo alcance. Por exemplo, há milhões de pessoas
nos Estados Unidos, na União Soviética, no Japão, na Europa e na
Austrália, assim como em outras regiões do mundo, que estão sofrendo a
destruição causada pelo vício que leva ao alcoolismo e outras drogas.
Um dos nossos sonhos é que, com uma orientação dedicada e com
compreensão, cada um dos incontáveis viciados e alcoólatras que estão
oscilando à margem do renascimento dêem o passo em direção a um estilo
de vida espiritual; talvez, se essas pessoas encontrarem um grau de
serenidade interior, terão um impacto positivo na comunidade mundial
enquanto ela luta pela paz.
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