por Luís
César Ebraico
Há
pessoas que perguntam se você vai bem, com a esperança de ouvir que você vai
mal. Chamo essas pessoas de “abutres existenciais”. Alimentam-se do sofrimento
do próximo. Em sua esmagadora maioria, não têm consciência disso e podem ser
pessoas perfeitamente boas que, caso se dessem conta do que estão fazendo,
ficariam sinceramente chocadas.
Há alguma
coisa no TOM com que perguntam se estamos bem que as diferencia daquelas que,
ao perguntar como estamos, querem apenas saber isso, e, na verdade, preferindo
até ouvir que estamos bem. Não creio ser capaz, por meio de um texto impresso,
descrever esse tom. Muitos de meus leitores devem conhecê-lo e estar, agora
mesmo, lembrando de alguém que o emprega. Mas posso até tentar: há nesse tom
alguma coisa de apreensivo, de cavernoso, a voz parece ficar mais grave, o
ritmo fica mais lento e o “bem” final parece prolongar-se mais do que o normal,
tudo transmitindo um matiz de gravidade à pergunta, à que se junta um sutil
elemento de ameaça, como se não devessemos OUSAR responder que sim, que estamos
bem. Se temos coragem de o fazer, podemos ouvir de volta um muchocho que
veicula veladamente a desconfiança de que estamos mentindo, a desconfiança de
que, na verdade, estamos mal. Essa rapina existencial me incomoda e tenho uma
maneira algo vingativa – sinto um pouco de vergonha ao confessá-lo – de responder
a tal tipo de avanço. Cá está:
ABUTRE
EXISTENCIAL: — Ôi, Luís César. Vai tudo BEEEEM...?
LC: —
Desculpe, vai sim! Mas pode ficar tranqüilo(a), logo que estiver tudo mal, eu
ligo e aviso!
ABUTRE
EXISTENCIAL: — Ih, Luís César, que absurdo! Até parece que eu estava querendo
que você estivesse mal!
LC: — Ah,
desculpe. Tive essa impressão, mas devo ter-me enganado.
ABUTRE
EXISTENCIAL: — Eu, hein!
LC: — E
você, como está?
E quando
PACIENTES me perguntam, ao entrar na sessão, se tudo vai bem? Bem, dentro do
contexto terapêutico, eu ajo da maneira TECNICAMENTE CORRETA e, não, segundo
meus impulsos pessoais. E qual seria essa maneira tecnicamente correta?
Mas uma
vez, cabe fazer distinções. Há os pacientes que perguntam se estou bem de
maneira totalmente casual, sem grandes cargas emocionais. Nesse caso, respondo
simplesmente “tudo bem”, e seguimos adiante. Mas há também, o paciente que,
como o abutre existencial referido acima, ao perguntar se eu estou bem, iria
ficar satisfeito com ouvir que eu estou mal, e um outro tipo, que, na verdade,
está ASSUSTADO com a possibilidade de eu estar mal. Ajo da mesma forma com
esses dois. Vejamos:
PACIENTE:
— Tudo bem?
LC: —
Algumas coisas vão bem, outras vão mal.
Assim,
evito a prática de alguns analistas de simplesmente não responder a esse tipo
de pergunta, o que me parece desnecessariamente grosseiro, e mantenho a
ambigüidade indispensável para que o paciente possa, se quiser, trabalhar
analiticamente com as duas possibilidades.
Luís
César Ebraico
é psicólogo clínico com
35 anos de atividade ininterrupta
é psicólogo clínico com
35 anos de atividade ininterrupta
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