JUREMIR MACHADO DA SILVA*
Crédito: ARTE PEDRO LOBO
Domingo é ótimo para
reflexões sobre o futuro. Aconselho refletir pela manhã, antes do
churrasco e da caipirinha. Tem muita gente preocupada com o futuro do
livro impresso. Será que vai desaparecer? Fiquem calmos, o que pode
desaparecer é a escrita. Estão achando que eu já bebi a caipirinha? Nada
disso. Estou lúcido e em pleno domínio das minhas faculdades mentais,
que podem não ser muitas, mas funcionam normalmente. O filósofo tcheco
Vilém Flusser (1920-1991), que foi professor da Universidade de São
Paulo, publicou um livro com este sugestivo título: "A Escrita - Há um
Futuro para a Escrita?". Como veem, não sou o único louco deste mundo.
Já
no primeiro parágrafo, Flusser dispara um míssil: "Parece não haver
quase ou absolutamente nenhum futuro para a escrita, no sentido de
sequência de letras e outros sinais gráficos. Hoje em dia, há códigos
que transmitem melhor a informação do que o dos sinais gráficos. O que
até então foi escrito pode ser mais bem transportado por fitas cassetes,
discos, filmes, fitas de vídeo, disco de vídeo (CD-ROM) ou disquetes".
Flusser não viveu o suficiente para ver fitas cassetes, disquetes e
fitas de vídeo tornarem-se obsoletos. A tecnologia deu mais um salto. A
escrita serviu durante séculos como memória, tendo o papel como seu
melhor suporte, e como forma de expressão superior. Está superada nisso
tudo.
Imagem da Internet
"Com a Internet, acabou o
monopólio da emissão.
Todo mundo pode ser emissor.
Cada um é dono do seu meio de comunicação.
O que pode salvar a escrita?
O fato de a leitura exigir um
investimento cognitivo maior?
Pode ser."
Os
dispositivos tecnológicos de memória atuais podem armazenar imagens e
sons em quantidades infinitas, permitindo o famoso "entrar com busca"
para localizar o que se quiser. Muitas empresas já prescindem do papel,
gravando as conversas com os ajustes de contratos feitos com seus
clientes. Alguns cargos ainda se mantêm como vestígio do passado:
taquígrafos, digitadores em sessões legislativas e audiências de
tribunais de Justiça e outros profissionais que ainda sobrevivem da
escrita como memória, ainda que o suporte seja cada vez menos o papel.
Filme de terror? Não. Evolução. Na Internet ainda se usa muito a
escrita, mas cada vez mais a comunicação pode ser feita por som e
imagem. Aquilo que a imagem não diz, a voz completa. Torpedos vocais são
mais rápidos que torpedos digitados. Será que voltaremos à oralidade?
A
escrita também teve uma função expressiva e artística importante. As
novas gerações, educadas pelo som e pela imagem, expressam-se
artisticamente através de filmes, canções, vídeos e fotos cada vez mais
fáceis de produzir e baratos. Até pouco tempo, produzir imagens em
movimento era muito caro. Tornou-se barato. Está ao alcance de qualquer
um. Com a Internet, acabou o monopólio da emissão. Todo mundo pode ser
emissor. Cada um é dono do seu meio de comunicação. O que pode salvar a
escrita? O fato de a leitura exigir um investimento cognitivo maior?
Pode ser. Mas ainda falta provar isso cientificamente. Pelo jeito, vamos
resolver definitivamente o problema do analfabetismo. No futuro,
seremos todos analfabetos. Só leremos imagens e sons.
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* Filósofo. Escritor. Tradutor. Cronista do Correio do Povo
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