quarta-feira, 11 de julho de 2012

Na contramão da lógica





Artigo publicado na Revista Eclésia, Mar/2010 (Coluna Pastoral)
Quando acuados, ameaçados, assustados, um incrível fenômeno se processa em nosso corpo; somos invadidos por fortes descargas de adrenalina, famoso neurotransmissor responsável por preparar a criatura para dois cursos de ação especifícos: ataque ou fuga. Sob o efeito da adrenalina, as pupilas dilatam, os coração acelera os batimentos, os músculos se tensionam, antevendo a necessidade da ação… A invasão da chamada molécula da ação torna o homem capaz de feitos fora do comum. Pode expor-se a situações de grande risco e ser consagrado herói, caso tenha um golpe de sorte. Dependendo da situação, poderá matar e também morrer. Pode xingar, agredir, perder o tino… Essa é nossa porção animal regida pelo sistema límbico, o mesmo sistema que gerencia a ação de presas e predadores no reino das feras.
Os homens, ainda que mais sofisticados, são mui comumente movidos pelo instinto. Se ameaçados em qualquer situação, o sistema límbico apresenta logo, antes de qualquer consideração da razão, um programa de ação para controlar a crise. Em se tratando de gestão de crises somos grandes estrategistas. Ser um estrategista não significa, todavia, ter respostas inteligentes para a resolução do conflito. Fato é que sempre temos uma planozinho. Parecem lógicos esses rascunhos mal rabiscados de resposta às polêmicas, entretanto, nem sempre trazem o resultado desejado.

E
m momentos cruciais de sua carreira, quando a vida se achava por um triz, sob ameaça, quando a honra estava sendo aviltada, a reputação enxovalhada, Jesus tomava atitudes de todo estranhas… Transitando na contramão da lógica, Ele reagia, em várias ocasiões, de maneira completamente contrária àquela esperada de homens sob pressão. Não perdeu jamais a clareza nem o equilíbrio, não se deixou desorientar pela sanha da ira que pode conduzir a desatinos de consequências trágicas. Tinha sob controle as comportas da emoção e sabia fechar o torniquete quando a porção animal desarvorada desejava tomar o controle de suas ações.
Era natural que os discípulos se vissem perplexos diante de suas reações e esperassem uma resposta mais vigorosa às provocações gratuitas e maldosas dos seus opositores. Por que Ele não revidava? Por que não dava mostras de seu poder, exercendo um justo juízo sobre os seus perseguidores, simplesmente incinerando-os? Quando, de certa feita, João e Tiago sugeriram que recorresse ao seu poder, autorizando-os a fazer descer fogo do céu e consumir aqueles que o desprezaram, ele respondeu de forma desconcertante ao dizer: “Vós não sabeis de que espírito sois.” Pedro nos informa que, “Quando foi injuriado, não injuriava, e quando padecia não ameaçava. Antes, entregava-se àquele que julga justamente.” (I Pe 2.23)
Em nosso humanismo solidário, chegamos até a justificar os acessos de fúria que acometem a alguns e os levam a medidas extremadas; a própria justiça, em casos, atenua o delito justificando-o como a mais legítima defesa. Geralmente homens ordinários respondem de forma equivocada e desproporcional aos ataques, estímulos e provocações do mundo externo. Isto se dá assim porque existe um descompasso interno que dita suas reações. Somos reféns da lógica das emoções; pagamos quase sempre, com a “mesma moeda”; só não ferimos ou matamos, literalmente, nossos desafetos, porque calculamos as consequências e recuamos diante dos custos. Seríamos, segundo alguns pensadores, assassinos potenciais.
Não adianta nos besuntarmos com os cremes da cosmética mágica da mística espiritualista que a religião vende em seu vasto mercado. Pura fachada. Vende-se por aí, há muitos séculos, métodos e fórmulas que prometem controlar o bicho louco que carregamos escondido debaixo do verniz frágil de uma sociabilidade forçada pelas regras de um jogo que nunca parece suficientemente justo. Esta panacéia de rezas e mantras, de gurus e sadus, sejam eles de que linha for, promete muito mas cumpre pouco. É virtualmente impossível conseguir fazer com que o homem abra mão de sua lógica, quanto mais caminhar contra ela!
Jesus transitou na contramão. Quando diante de ameaças que o colocavam em risco, não lançou mão das prerrogativas que poderiam sustentar seu direito de defesa. Abriu mão da réplica, da tréplica… sofreu o agravo, e isto calado. Sustentou até o fim, com atitudes, a mensagem que pregou; não amarelou na hora da verdade, não destoou, não recorreu a qualquer espécie de subterfúgio que pudesse vir a desabonar seu ensino. Viveu o que pregou. Cabalmente.
Nossas atitudes, em última instância, vão determinar se somos o que pregamos, se introjetamos a mensagem que às vezes queremos empurrar goela abaixo de outros. Temo que meu cristianismo seja mais fajuto do que queira admitir. Ponho-me diante do espelho e me pergunto se poderia negar esta afirmação. Mordo os lábios, suo frio, me contorço diante desta verificação; Encaro os fatos e prossigo. As contrações anunciam um parto difícil. Por vezes faço média. Considero os homens, posições, influências… Ainda me debato, justifico, enceno, manipulo, dissimulo (eufemismo para “minto”)… Esse texto nasce doído, como confissão arrancada à força numa sessão de tortura. Confesso que falta a coragem necessária para caminhar na contramão.
Temos nos ludibriado pelos séculos afora, anunciando-nos como discípulos de um Mestre em cujas pegadas não ousamos caminhar… É lógico que o Diabo falta morrer de rir diante daquilo que classificamos como cristianismo. Triste, todavia, é saber que mesmo depois de refletirmos acerca desse arremedo de cristianismo que temos vivido, muitos permanecerão vivendo exatamente do mesmo modo! O desafio, entretanto, segue inalterado, ou tomamos a cruz, negamos as nossas loucas pretensões e o seguimos, ou não temos parte com Ele.
O discurso da renúncia é talvez hoje um dos mais rejeitados. É ilógico. É um atentado aos anseios mais naturais da criatura humana. Antinatural, versa sobre aquilo que não diz respeito aos interesses de homem algum. A teologia da cruz é absurda aos olhos da lógica. Por não conseguirmos assimilá-la de forma integral, criamos uma espécie de simulacro e parece que temos nos contentado com isto. A julgar por tudo que temos visto, se ousarmos nos perguntar onde é que tudo isso vai dar, eu não  teria tanta certeza em afirmar que seria no céu. Estou mais inclinado a pensar que seja no outro condomínio.

Nenhum comentário:

Postar um comentário