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Tanto desatino já foi cometido em nome de Deus que
não é de admirar que um número cada vez maior de pessoas ao redor do
globo mantenha sob suspeita o artigo da religião. Estaria Deus envolvido
com tanto morticínio? Foi Ele quem avalizou as cruzadas? Endossou a
inquisição? Chancelou a conquista das Américas e subsequente extermínio
dos nativos americanos? De que lado ele esteve nos longos e
intermináveis conflitos religiosos no Oriente Médio e Europa? Seria o
Criador um senhor sanguinário e co-participante das disputas intestinas
pelo poder político sob a batuta dos sacerdotes, ou tais ocorridos não
passariam de manifestação sintomática das almas doentes dos homens?
Qualquer pessoa com um conhecimento razoável da história sabe bem que as cruzadas jamais foram avalizadas por Deus, como se ele houvesse
conclamado os cristãos a uma guerra santa contra os muçulmanos para
recapturar Jerusalém e a Terra dita santa. A primeira cruzada, lançada
pelo papa Inocêncio II em 1095, foi movida por um espírito que de santo
nada tinha! A finalidade não era nem um pouco piedosa.
Segundo Armstrong:
“Queria (o papa) que os cavaleiros europeus parassem de
lutar entre si e de dividir a cristandade ocidental e fossem gastar suas
energias numa guerra no Oriente Médio e ampliar o poder da Igreja. No
entanto, quando essa expedição militar se misturou com a mitologia
popular, textos bíblicos e fantasias apocalípticas, o resultado foi
catastrófico do ponto de vista prático, estratégico e moral”.
É sabido também que a inquisição espanhola jamais foi um ato de inspiração divina! Criada em 1483, a instituição da inquisição visava fins políticos e ideológicos e, ainda que analisada no seu contexto sócio-político encontrem-se explicações, o fato é que suas práticas e expedientes tinham mais a ver com os homens e seus demônios do que com Deus no seu trato com estes.
Os homens conseguem classificar as guerras em justas
e injustas, sujas e limpas. Não importando qual seja a natureza da
guerra, nem qual a nobreza do ofício, preces são elevadas aos céus, por
proteção e favor. Nas competições, antes de entrar na arena, seja do
futebol, do vôlei, do rodeio, do pugilismo, os oponentes invocam seus
santos
padroeiros, beijam suas medalhas, rezam o “pai-nosso”…
Cena pitoresca do filme “Cidade de Deus”, de
Fernando Meirelles, nos revela o mais inaudito ato de devoção quando uma
gangue de malfeitores reza com grande fervor antes de partir para mais
uma de suas perigosas empresas. De mãos dadas, com os instrumentos da
morte presos às cinturas, ou pendurados nos ombros, as vozes se unem num
fervor próprio dos fiéis quando a prece sobe calorosa aos céus, “Pai nosso (…) venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade… e livra-nos do mal, amém…”
Quantos papas, padres e sacerdotes, católicos ou
não, benzeram as armas e “abençoaram” reis e seus exércitos antes que
estes partissem para os campos de batalha? “Nunc et in hora mortis nostrae. Amem.” Tão
logo recitadas as últimas palavras do rosário, liberam-se os demônios
para cumprirem o seu sombrio mister. O temível cavalo vermelho dos
quatro flagelos do apocalipse partiu, muitas vezes, para a ceifa macabra
da guerra, sob a bênção da religião!
“O maravilhoso dessa empresa infernal é que cada chefe dos
matadores faz benzer suas bandeiras e invoca solenemente a Deus antes de
ir exterminar o próximo”.
Tito Lívio, historiador romano, nos conta em sua
História Romana (XXIX, 27, 1-4) a prece de Cipião, o Africano, feita em
sua nau capitânia, antes de partir da Sicília para atacar Cartago em 204
a.C.:
“Ó deuses e deusas que habitais os mares e as terras, eu vos
suplico e vos rogo que tudo quanto tenha sido feito sob o meu comando
(…) seja para o meu benefício e para o benefício do povo e da plebe de
Roma (…) que vós os ampareis e os auxilieis; que permitais que estejam
em segurança e que alcancem vitória sobre o inimigo; que os tragais de
volta comigo em triunfo para os nossos lares, carregados de espólios e
despojos; que nos concedais o poder de exercer vingança sobre nossos
inimigos e adversários…”
É certo que, assim como o grande general romano
Cipião invocou o favor dos seus deuses e deusas antes de partir para a
empresa funesta onde milhares seriam dizimados, as autoridades
Cartaginesas também recorreram aos seus deuses com o fim de obter favor e
assim destruírem o máximo possível de soldados romanos.
Estariam os deuses a serviço dos homens em tais
empreitadas? É certo que não! Talvez seja mais certo que tais deuses não
passem de demônios; demônios da ambição, da violência, da vingança…
Tentando compreender a dinâmica do sentimento de vingança, esse
combustível por excelência de todos os conflitos, em matéria sobre o
tema, Thomaz Favaro sintetiza essa suspeição das religiões dizendo:
“Para entender a origem do desejo de vingança e aprender a domá-lo, o melhor a fazer é trafegar por fora da religião”.
Tratando de um tema tão cortante como a vingança,
esse sentimento destrutivo presente nas complexas elaborações da emoção
humana, ao invés de recomendar a religião como mediatriz, Favaro
alfineta:
“Como instituição a religião é má conselheira nesses casos”.
De que religião estaria falando Favaro? A religião
não deveria, supostamente, ser um agente responsável pela sublimação de
tais sentimentos, abrandando o furor, a sanha assassina dos homens? As
guerras religiosas através dos séculos apresentam um testemunho
completamente inverso. O fanatismo religioso tem devorado as carnes de
milhões numa espécie de tributo macabro a Hades, o senhor dos infernos
na mitologia grega.
Escrevendo a respeito do assunto Voltaire disse:
“Quando uma vez o fanatismo tendo gangrenado um cérebro, a doença
é quase incurável; (…) A religião, longe de ser para elas um alimento
salutar, transforma-se em veneno nos cérebros infeccionados.”
Muito embora o termo fanatismo se aplique a
qualquer espécie de paixão desmesurada, é nos domínios da religião que
fez carreira e granjeou maior fama. A adesão cega e irrefletida à
qualquer coisa, seja doutrina filosófica, política ou religiosa, conduzirá a extremos horripilantes. A história o atesta.
Por tão grandes incongruências o mundo pós-moderno,
despreza a religião instituída e relativiza os valores absolutos que ela
ensina. Já não há, conclui-se, nenhuma garantia que possa servir de
lastro àquilo que pregam os líderes da religião. Qualquer observador
honesto concluirá que tal desconfiança não é sem razão.
Por causa de tanto descalabro, o
cristianismo autêntico foi sendo maculado e distorcido ao ponto de as
sociedades mais esclarecidas não só passarem a desconfiar da validade
dos postulados da religião, como também a atacá-los de
uma maneira cada vez mais aberta, tão logo a Igreja Romana perdeu o
monopólio que exercia sobre as almas através de toda a Idade Média. A
partir de então ninguém seria poupado. Tanto a instituição desvirtuada
quanto a espiritualidade verdadeira seriam pesadamente atacadas.
(…)O livro prossegue numa reflexão estonteante mas absolutamente fecunda para, por fim, demonstrar a graça e beleza da proposta mais inteligente já feita à raça humana! Vale a pensa conferir.
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