quarta-feira, 11 de julho de 2012

A INTELIGÊNCIA DO EVANGELHO








Esta postagem nasceu de um profundo desconforto que já há muito me acompanhava. Sempre desconfiei que estávamos perdendo alguma coisa na leitura que fazemos do Evangelho. A desconfiança se traduziu por uma certeza aterradora. Não apenas estávamos fazendo uma leitura equivocada, pior, estávamos distorcendo a grande mensagem…-jotamachado
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Tanto desatino já foi cometido em nome de Deus que não é de admirar que um número cada vez maior de pessoas ao redor do globo mantenha sob suspeita o artigo da religião. Estaria Deus envolvido com tanto morticínio? Foi Ele quem avalizou as cruzadas? Endossou a inquisição? Chancelou a conquista das Américas e subsequente extermínio dos nativos americanos? De que lado ele esteve nos longos e intermináveis conflitos religiosos no Oriente Médio e Europa? Seria o Criador um senhor sanguinário e co-participante das disputas intestinas pelo poder político sob a batuta dos sacerdotes, ou tais ocorridos não passariam de manifestação sintomática das almas doentes dos homens?
Qualquer pessoa com um conhecimento razoável da história sabe bem que as cruzadas jamais foram avalizadas por Deus, como se ele houvesse conclamado os cristãos a uma guerra santa contra os muçulmanos para recapturar Jerusalém e a Terra dita santa. A primeira cruzada, lançada pelo papa Inocêncio II em 1095, foi movida por um espírito que de santo nada tinha! A finalidade não era nem um pouco piedosa.
Segundo Armstrong:
“Queria (o papa) que os cavaleiros europeus parassem de lutar entre si e de dividir a cristandade ocidental e fossem gastar suas energias numa guerra no Oriente Médio e ampliar o poder da Igreja. No entanto, quando essa expedição militar se misturou com a mitologia popular, textos bíblicos e fantasias apocalípticas, o resultado foi catastrófico do ponto de vista prático, estratégico e moral”.
É sabido também que a inquisição espanhola jamais foi um ato de inspiração divina! Criada em 1483, a instituição da inquisição visava fins políticos e ideológicos e, ainda que analisada no seu contexto sócio-político encontrem-se explicações, o fato é que suas práticas e expedientes tinham mais a ver com os homens e seus demônios do que com Deus no seu trato com estes.
Os homens conseguem classificar as guerras em justas e injustas, sujas e limpas. Não importando qual seja a natureza da guerra, nem qual a nobreza do ofício, preces são elevadas aos céus, por proteção e favor. Nas competições, antes de entrar na arena, seja do futebol, do vôlei, do rodeio, do pugilismo, os oponentes invocam seus santos padroeiros, beijam suas medalhas, rezam o “pai-nosso”…
Cena pitoresca do filme “Cidade de Deus”, de Fernando Meirelles, nos revela o mais inaudito ato de devoção quando uma gangue de malfeitores reza com grande fervor antes de partir para mais uma de suas perigosas empresas. De mãos dadas, com os instrumentos da morte presos às cinturas, ou pendurados nos ombros, as vozes se unem num fervor próprio dos fiéis quando a prece sobe calorosa aos céus, “Pai nosso (…) venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade… e livra-nos do mal, amém…”
Quantos papas, padres e sacerdotes, católicos ou não, benzeram as armas e “abençoaram” reis e seus exércitos antes que estes partissem para os campos de batalha? “Nunc et in hora mortis nostrae. Amem.” Tão logo recitadas as últimas palavras do rosário, liberam-se os demônios para cumprirem o seu sombrio mister. O temível cavalo vermelho dos quatro flagelos do apocalipse partiu, muitas vezes, para a ceifa macabra da guerra, sob a bênção da religião!

“O maravilhoso dessa empresa infernal é que cada chefe dos matadores faz benzer suas bandeiras e invoca solenemente a Deus antes de ir exterminar o próximo”.
Tito Lívio, historiador romano, nos conta em sua História Romana (XXIX, 27, 1-4) a prece de Cipião, o Africano, feita em sua nau capitânia, antes de partir da Sicília para atacar Cartago em 204 a.C.:
“Ó deuses e deusas que habitais os mares e as terras, eu vos suplico e vos rogo que tudo quanto tenha sido feito sob o meu comando (…) seja para o meu benefício e para o benefício do povo e da plebe de Roma (…) que vós os ampareis e os auxilieis; que permitais que estejam em segurança e que alcancem vitória sobre o inimigo; que os tragais de volta comigo em triunfo para os nossos lares, carregados de espólios e despojos; que nos concedais o poder de exercer vingança sobre nossos inimigos e adversários…” 
É certo que, assim como o grande general romano Cipião invocou o favor dos seus deuses e deusas antes de partir para a empresa funesta onde milhares seriam dizimados, as autoridades Cartaginesas também recorreram aos seus deuses com o fim de obter favor e assim destruírem o máximo possível de soldados romanos.
Estariam os deuses a serviço dos homens em tais empreitadas? É certo que não! Talvez seja mais certo que tais deuses não passem de demônios; demônios da ambição, da violência, da vingança… Tentando compreender a dinâmica do sentimento de vingança, esse combustível por excelência de todos os conflitos, em matéria sobre o tema, Thomaz Favaro sintetiza essa suspeição das religiões dizendo:
“Para entender a origem do desejo de vingança e aprender a domá-lo, o melhor a fazer é trafegar por fora da religião”. 
Tratando de um tema tão cortante como a vingança, esse sentimento destrutivo presente nas complexas elaborações da emoção humana, ao invés de recomendar a religião como mediatriz, Favaro alfineta:
“Como instituição a religião é má conselheira nesses casos”.
De que religião estaria falando Favaro? A religião não deveria, supostamente, ser um agente responsável pela sublimação de tais sentimentos, abrandando o furor, a sanha assassina dos homens? As guerras religiosas através dos séculos apresentam um testemunho completamente inverso. O fanatismo religioso tem devorado as carnes de milhões numa espécie de tributo macabro a Hades, o senhor dos infernos na mitologia grega.
Escrevendo a respeito do assunto Voltaire disse:
“Quando uma vez o fanatismo tendo gangrenado um cérebro, a doença é quase incurável; (…) A religião, longe de ser para elas um alimento salutar, transforma-se em veneno nos cérebros infeccionados.”
Muito embora o termo fanatismo se aplique a qualquer espécie de paixão desmesurada, é nos domínios da religião que fez carreira e granjeou maior fama. A adesão cega e irrefletida à qualquer coisa, seja doutrina filosófica, política ou religiosa, conduzirá a extremos horripilantes. A história o atesta.
Por tão grandes incongruências o mundo pós-moderno, despreza a religião instituída e relativiza os valores absolutos que ela ensina. Já não há, conclui-se, nenhuma garantia que possa servir de lastro àquilo que pregam os líderes da religião. Qualquer observador honesto concluirá que tal desconfiança não é sem razão.
Por causa de tanto descalabro, o cristianismo autêntico foi sendo maculado e distorcido ao ponto de as sociedades mais esclarecidas não só passarem a desconfiar da validade dos postulados da religião, como também a atacá-los de uma maneira cada vez mais aberta, tão logo a Igreja Romana perdeu o monopólio que exercia sobre as almas através de toda a Idade Média. A partir de então ninguém seria poupado. Tanto a instituição desvirtuada quanto a espiritualidade verdadeira seriam pesadamente atacadas.
(…)
O livro prossegue numa reflexão estonteante mas absolutamente fecunda para, por fim, demonstrar a graça e beleza da proposta mais inteligente já feita à raça humana! Vale a pensa conferir.



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