1ª) Em sentido corrente, ateu é quem não crê na existência de
um ser superior, tal como o concebem as religiões teológicas,
ou seja, no que se chama de "deus", criatura onipotente (ele
pode tudo quanto quer), onisciente (ele sabe tudo),
onipresente (ele acha-se em toda a parte), onimisericordioso
(é dotada de infinita bondade) e criador do universo e do ser
humano. Neste sentido, todo positivista é ateu pois nenhum
positivista acredita na existência de tal ser.
2ª) Ateu é quem nega a existência de deus. Enquanto no
primeiro sentido, o ateu apenas não crê na sua existência, é
incréu, caracteriza-se pela ausência de uma convicção, nesta
segunda acepção ele caracteriza-se por uma afirmação, a de
que deus não existe.
Há duas formas de negação: a) a negação relativa, em que se
nega por falta de prova em contrário, ou seja, por jamais se
haver demonstrado faticamente, com base na observação, a
existência da divindade, b) a negação absoluta, em que o ateu
afirma a inexistência de deus, mediante a confutação dos
argumentos que pretendem provar-lhe a existência ou mercê da
formulação de outros, que demonstram a impossibilidade desta
existência.
A negação relativa corresponde a uma certa indiferença à
idéia de deus; a negação absoluta, a uma atitude ativa, de
caráter negador. Na primeira, o indivíduo aguarda que os
deístas provem a existência de deus, na segunda, empenha-se
em negá-lo. A primeira é o que se chama também de
agnosticismo (e então, é-se agnóstico), enquanto que na
segunda, é-se ateu em sentido ativo, ateu "militante" ou
"praticante".
Algumas pessoas declaram-se agnósticas, porque indiferentes à
existência de deus, da qual não cogitam nem para afirmá-la,
nem para negá-la. Para estas pessoas, a idéia de deus
simplesmente não interessa, sob aspecto nenhum. Alguns
positivistas declaram-se agnósticos, outros, ateus
militantes.
3ª) Ateu é quem, rejeitando as soluções da teologia, ocupa-se
das suas questões.
Teologia é a área do pensamento humano relacionado com deus,
que lhe afirma a existência, que pretende provar, e da qual
deduz a política, a moral, a cosmogonia, a religião, as
explicações da origem dos fenômenos etc. São questões
teológicas, por excelência, a indagação das causas primeiras
e das causas finais. As causas primeiras consistem em
averigüar-se a origem do mundo, pela indagação: quem fez o
mundo? As causas finais consistem em averigüar-se a
finalidade do mundo: por que se fez o mundo? As causas também
indagam porque os fenômenos acontecem: por que a maçã que se
desprende da macieira, cai para baixo ao invés de tomar outro
rumo ?
A teologia responde a tais questões com base em deus: ele
criou o mundo, para a sua glória, ou para o seu divertimento,
ou por desfastio etc. A maçã desloca-se para baixo, porque a
este movimento corresponde a vontade divina, porque deus
quer.
Ateus, nesta acepção, são os pensadores que formulam as
mesmas indagações relativas às causas primárias, finais e dos
fenômenos, rejeitando, porém, a solução teológica (a idéia de
deus).
Eles caracterizam-se por uma nota negativa, a ausência de
divindade nas suas especulações, e por uma positiva, a de
especularem sobre as questões teológicas.
Neste sentido, nenhum positivista é ateu pois o Positivismo
não se ocupa da investigação das causas primárias, finais e
dos fenômenos. Ele ocupa-se de averigüar como os fenômenos se
produzem, e não o porque desta produção; ele empenha-se em
descobrir as leis naturais que constituem a ciência e que,
permitindo a previsão dos fenômenos, é útil ao homem, sob a
forma de tecnologia; ao passo que o ateu, neste sentido,
especula sobre questões a cujo respeito pode-se pensar, porém
jamais conhecer, ou seja, pode-se alcançar conclusões
derivadas do puro pensamento embora inverificáveis pela
experiência, ou seja, conclusões metafísicas.
Augusto Comte censurou o ateísmo da terceira acepção e para
evitar a confusão entre ela e os positivistas, em que se
chamasse os positivistas de ateus (na terceira acepção, que
não lhes cabe), adotou o termo emancipados, como sinônimo de
ateus nas primeira e segunda acepções (que lhes cabem).
Emancipado é quem libertou-se da tutela mental da teologia, é
aquele que rejeita a concepção de deus e tudo quanto se lhe
relacione. Todo positivista é emancipado; todo aquele que
rejeita deus também o é.
No primeiro significado, há incredulidade pura e simples; no
segundo, há incredulidade por ausência de verificação da
divindade, pela negação dos argumentos que lhe afirmam a
existência ou pela afirmação dos que a negam; no terceiro, há
a especulação em torno dos temas teológicos, sem a solução da
teologia (é a metafísica).
Em nenhum dos três casos comparece a idéia de deus e os seus
desdobramentos.
Os positivistas são ateus, sempre, no primeiro caso; são-no
em o segundo, sob a forma de agnosticismo ou de ateísmo
militante, dependendo das convicções de cada qual; jamais o
são no terceiro.
18.VIII.2003
Arthur Virmond de Lacerda Neto é positivista
ortodoxo.
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